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segunda-feira, 13 de abril de 2015

Ser Pobre





Ser pobre por si só já é Azar demais. Vocês tem que entender que os socialmente desfavorecidos passam por situações que algumas pessoas jamais sonhariam.


           

Não venho de uma família miserável. Já tivemos uma situação boa, mas com o tempo acabamos ficando apenas com a “situação” e o que era bom, ficou no passado.


O duro não é você ser pobre, o duro é ser pobre e ter cabeça de rico. Por que você não gosta da situação em que vive, não acha normal ser pobre e não consegue chegar ao patamar que você acredita que deveria estar por que, querido, você não pertence a esse mundo. É como se você vivesse no limbo, uma criatura que vagará por toda a eternidade sem pertencer a lugar nenhum. Essa sou eu.



Ser pobre é não poder sair nunca para lugar nenhum e se convencer de que você não gosta! Ah quem gosta de ir ao cinema? Alguém nesse mundo gosta de viajar? Ah faça-me o favor! É dormir dentro do carro na hora do almoço por que não tem dinheiro pra colocar gasolina e voltar pra casa. É andar na banguela 90% do caminho pra não gastar combustível (dane-se o freio, eu só o arrumo uma vez na vida, gasolina é todo dia!). É doar sangue na hora do almoço na faculdade contando com o lanche. É remendar tanto as suas roupas que no final você já não lembra como ela era originalmente. Ser pobre é triste!


Por que o pobre é despejado, fica sem luz, sem água, sem gás, sem dinheiro até pra pegar um ônibus. E o ônibus? Cada vez que entro em um ônibus eu me sinto como se estivesse indo rumo à derrota. Eu odeio o transporte público. Canso de ver as pessoas falando que é bom, que você tem que usar, que você não tem consciência de coletividade! Aí colocarem a bunda magra delas no carro e saírem felizes enquanto os coitados dos pobres estão lá no “buzão”.





Não, eu não tenho consciência de coletividade. O máximo de coletivo que eu me permito é a lotação do carro, 5 pessoas, e ainda assim tenho que sentar na frente por que não quero me espremer com as 3 atrás. Experimenta pegar um ônibus às 6 horas da tarde para voltar pra casa. É duro não é? Agora pensa que você é gordo e que alem de ficar com as 175 pessoas num ambiente fechado, imagine que todas, eu disse TODAS vão passar roçando em você por que você tem uma massa considerável e não é o tipo da pessoa que cabe em qualquer cantinho.




Aí existem duas opções: ou você fica na parte da frente e não senta nunca por que se você conseguir um assento, um idoso vai brotar do chão e mesmo que você tenha assento preferencial até o cara que está sentado no assento de idoso fingindo que está dormindo para não levantar, vai te julgar. Ou você luta bravamente, atravessa a famigerada catraca e se mistura com a multidão, e aí meu nego, o contato humano é muito maior do que você gostaria.


A batalha pra chegar à porta de saída, já começa quando você entra no ônibus. Uma vez entrei em um “coletivo” que tinham 3, veja bem, 3 filas de pessoas em pé no corredor! Como é que faz gente? Como faz pra chegar na porta? Acho que é por isso que tem os ferros pra segurar na parte de cima, por que em caso de necessidade extrema, você pode se pendurar neles e ir “flutuando”.


Abençoada seja a pessoa que pensou em colocar 2 portas para saída nos ônibus, por que agora você passa a catraca, arma a sua cara de “se encostar em mim eu te mato”, agarra o desgraçado do ferro sujo na frente da porta e chacoalha até o seu destino tendo a certeza de que na hora em que a necessidade for muito grande, é só sair pela porta.




Ai você está lá, espremido com dezenas de desconhecidos, olha para baixo e vê os carros passando, lindos, limpos, civilizados e você pensa: porque? Por que meu Deus eu não mereço estar aí? Por que a vida não é justa. E a única coisa que você vai ter justa na sua vida é a roupa que não te cabe mais.


Agora vem a pior parte: o Metrô! Aquilo sim é a antessala do inferno. Milhares de pessoas passam por aqueles trens todos os dias em total desconforto. E o que em nome de Jesus é a estação Sé do metrô? A qualquer hora do dia ou da noite, em qualquer dia da semana aquela desgraça estará cheia! A minha teoria é que o Diabo dá cria na Praça da Sé e os filhotes correm loucamente para a linha vermelha do Metrô ouvindo funk sem fone de ouvido.


E quando você acha que não cabe mais ninguém dentro do trem, o condutor fala: Estação Brás... Aí as leis da Física se dissolvem na multidão e duas pessoas passam a ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo, às vezes até 3...


O Metrô é bom pra quem gosta de viver perigosamente, pra quem gosta de sair de casa e ver onde o mundo vai te levar, sem direção. Você não tem muita escolha, é sempre uma surpresa até onde você pode chegar. Por que você entra no curralzinho atrás da linha amarela fecha os olhos e se entrega.


Nesse momento você é levado pela multidão, você “é entrado” no trem e quando menos espera, isso pode ser em qualquer estação, você “é saído” do trem. Acho que é o mais próximo que nós pobres mortais chegaremos de ser um astro de rock, se jogar na plateia e ver onde o público te leva! Só para que fique bem claro, eu odeio muito o transporte público!





Acho que o bom de ser pobre é que você começa a dar valor às pequenas coisas da vida, por que querido, as grandes, você não pode ter... você começa a desenvolver técnicas ninjas de sobrevivência com o mínimo possível, habilidades manuais para cozinhar, artesanato, reciclagem qualquer coisa que você possa ganhar dinheiro com isso. O pobre é acima de tudo criativo!




Eu venho de uma geração em que as pessoas aprendiam a fazer as coisas. Minha mãe me ensinou a lavar, limpar, cozinhar, costurar (tá bom, isso foi minha avó por que minha mãe não sabe costurar), e eu nem era pobre quando era pequena. Mas venho de uma família que acha que você deve estar pronto para o que der e vier. Se você tem dinheiro, ótimo, paga alguém para fazer, mas se não tiver, não passa apertado por não saber fazer as coisas.


Mas hoje em dia, existe uma nova classe de pobres. É uma classe de pessoas que não quer que seus filhos passem por aquilo que eles passaram, como todo e qualquer pai, mas para isso eles não ensinam nada dos trabalhos “subalternos”. As meninas não sabem cozinhar, não sabem limpar uma casa, lavar uma louça por que as mães acham que estão protegendo as filhas. Os meninos não sabem trocar uma lâmpada, um chuveiro, não sabem os afazeres domésticos, não sabem fazer nada! E aí, além de pobre financeiramente, você é um pobre em habilidades para viver bem com aquilo que tem.


Fiz muita trufa pra vender na escola e na faculdade pra me sustentar e se não soubesse fazer nada, não teria me formado. La em casa, fazemos faxina, cortamos grama, cortamos a cerca viva, trocamos chuveiro, limpamos calha, pintamos parede só não fazemos reforma por conta própria por que não temos dinheiro pra comprar o material.


Trabalho não é vergonha para ninguém, e trabalho é trabalho, não importa qual seja. Obviamente que eu preferia ser presidente de uma multinacional ao invés de ficar com o umbigo no fogão, mas até lá, você precisa sobreviver para poder viver da forma que quiser.





Como dizem por aí, existem 3 formas de ficar rico: nascendo rico, casando com um rico ou ganhando na loteria. As duas primeiras já cortei da minha lista, mas eu tenho fé que ainda vou ganhar na loteria. Por que uma coisa que pobre tem é fé! O desgraçado não tem dinheiro pra comprar um pão, mas vai lá fazer sua fezinha sagrada pra ver se muda de vida. Mesmo sabendo que eu tenho Azar no jogo, Azar no amor, e sorte no Azar, ainda assim eu tenho fé, por que afinal de contas acordar todo dia sem uma perspectiva de melhora é pra fazer o caboclo secar no pé de tanta depressão!

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