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quinta-feira, 9 de julho de 2015

O Primeiro Plantão a gente nunca esquece...




(E que mulher séria)


     Sabe aquele trabalho que se encaixa exatamente no seu modo de vida? Quem não quer poder acordar à hora que quiser e ainda assim nunca se atrasar para o trabalho? Essa é a vida maravilhosa dos Plantões Noturnos! Uma pessoa que tem como companhia a insônia não pode pedir mais nada aos céus! Porque se é pra não dormir mesmo, pelo menos que eu ganhe dinheiro com isso!


     O mês era dezembro, o ano, 2014... e aqui se iniciou um novo ciclo na minha vida! Desde que saí da faculdade eu sempre quis trabalhar à noite. Sei lá, sempre achei melhor, não tem sol, o calor é mais ameno, tem menos gente enchendo o saco, não tem trânsito... ou seja, uma maravilha!


     Como nunca havia trabalhado à noite, passei o mês de dezembro conhecendo o hospital, pegando prática e me adaptando ao lugar para não ficar perdida na hora da correria e, meu primeiro plantão seria no Ano Novo... novos começos indeed!!!!





     Tudo corria às mil maravilhas e eu realmente gostava de ir pra lá, gostava das pessoas, gostava de tudo e a ansiedade para começar logo foi tomando conta de mim! Que venha o Ano Novo!


     Então chegou o grande dia... dia 31/12/2014... minha família ia comemorar a passagem de Ano na minha casa e passamos a semana toda fazendo os preparativos, arrumando a casa, fazendo comida, eu ajudava minha mãe depois de voltar do hospital e então, o grande dia chegou....


     A noite do dia 30 para dia 31 foi simplesmente infernal. Sabe quando você passa a  noite inteira acordando, porque não se sente bem, mas não sabe muito bem o que está acontecendo? Tive calor, depois frio, aí suava em bicas, tomei banho, voltei pra cama, então começou o enjoo, a dor de cabeça, a diarreia... tudo bem! Nada que um Nausedron não resolva, não é?


     Mas não foi bem assim... pela manhã eu simplesmente não conseguia sair da cama e minha mãe veio me chamar para ajudar a dar os últimos retoques na arrumação da casa e eu não conseguia ficar em pé... ok, só preciso de mais um pouco de descanso, água, Dipirona pra baixar a febre e muita Ranitidina pra aguentar a dor de estômago.


     Qual não foi minha surpresa quando minha mãe entra no meu quarto 20 minutos depois dizendo que meu irmão estava do mesmo jeito... eu não sei que desgraça se abateu sobre a casa, se bebemos água de vala, se a dengue resolveu tomar conta de nós, se fomos intoxicados com alguma substancia maligna, a única coisa que eu sei é que eu me sentia um cachorro com Parvovirose...




     Como sempre, meu querido Josys estava quebrado e como moramos no orifício corrugado situado na região ínfero lombar da cidade de São Paulo, minha mãe ligou para o meu pai que despencou do outro lado da cidade para nos levar ao hospital. E então se iniciou o caos...


     Pegamos o endereço do hospital, nos arrastamos para dentro do carro, ligamos para pedir informações sobre como chegar lá e fomos... obviamente que fomos para o lado errado... andamos quilômetros e quilômetros no sentido errado da avenida e nunca chegava o maldito hospital... meu pai é conhecido por ser uma pessoa que odeia trânsito e odeia não saber o caminho... posso lhes dizer que não foi nada agradável ficar dentro de um carro em movimento com as tripas se contorcendo, morrendo de sono, com dor de cabeça e com uma náusea absurda, mas eventualmente, nós conseguimos chegar ao hospital.


     E aqui fica minha crítica ao Serviço Público de Saúde da cidade de São Paulo. Chegamos ao hospital, passamos pela triagem e ficamos aguardando o médico... 1 hora e 40 minutos se passaram e continuávamos sentados no banco frio e duro de madeira esperando o dito cujo. Então meu irmão foi chamado e cerca de 2 minutos depois, já estava de volta e eu entrei no consultório.


     O médico era muito simpático e educado mas era a único, veja bem, o único médico no hospital inteiro para atender toda a população... e o diagnóstico foi simples: intoxicação alimentar... é uma forma diferente de dizer que você está com virose, porque ninguém mais leva a sério esse diagnóstico... depois que surgiram a virose a o estresse, não existem mais diagnósticos na medicina humana e o tratamento padrão: Plasil, Ranitidina, Buscopam e soro... então, conhecendo o tratamento você avisa ao médico que não adianta tomar Buscopam, porque ele simplesmente não faz efeito e que você já tomou Ondansetrona e não resolveu o enjoo...




     Ahhhh sim, vou anotar aqui na minha ficha e você vai aguardar lá fora para ser medicada... ok... mais meia hora e fomos chamados... a enfermeira pegou minha veia, colocou o soro e o que tinha no bendito? Plasil, Ranitidina e Buscopam... Puta merda, ainda bem que eu avisei que essa bosta não ia fazer efeito ¬¬...


     Sabe quando a única coisa que você quer na vida é deitar numa cama e dormir como se não houvesse amanhã? Mas não, eu estava lá, sentada num banco duro, com a cabeça encostada no meu irmão, tremendo de febre, revirando as tripas e contando aquelas miseráveis gotas pingarem no equipo trazendo pra dentro do meu corpo nenhuma substância que fosse alterar meu quadro...


Aí vem enfermeira e fala: se vocês não se sentirem melhor ao final do soro, voltem ao médico que ele vai passar mais medicação... Nossa que coisa hein? O que será que ele vai passar dessa vez? AS? Água com açúcar? Olhei pra cara do meu irmão moribundo e concordamos silenciosamente que estávamos nos sentindo melhor para podermos voltar pra cama.


Então voltamos para casa e cada um para sua respectiva cama... e eu dormi! Senhor como eu dormi!!! A o relógio badalou às 18h e era a hora de trabalhar... sabe quando você quer morrer mas não quer levantar da cama? Mas vamos lá, afinal não tinha ninguém para fazer aquele plantão...


Cheguei ao hospital, peguei meu caixa, coloquei meu jaleco, peguei esteto, termômetro, garrote, tudo que eu pudesse precisar e torci com todas as minhas forças que não passasse nenhuma alma por aquelas portas... eu estava com febre, enjoada, com dor de estômago, com diarreia, com sono a única coisa que eu não tinha, era a vontade de trabalhar...




Mas vocês sabem como eu sou sortuda né? Obviamente que os cães brotavam de todos os lugares. Eu nunca poderia imaginar que alguém levaria seu cachorro ao veterinário na virada do ano. Sim, mas as pessoas levam! E levam principalmente os idosos, cardiopatas que têm medo dos fogos e chegam em um estado de pânico de dar dó...


E os cães iam chegando um depois do outro... edema pulmonar, edema pulmonar, edema pulmonar, tranquilização por causa dos fogos, tranquilização por causa dos fogos, edema pulmonar por causa do estresse causado pelos fogos, gato atropelado porque se assustou com os fogos... kct, gente, não soltem fogos!!!




O momento em que toca a campainha surge a dúvida mais cruel na mente da pessoa com diarreia: você não sabe se corre pra abrir a porta ou se corre pro banheiro, porque não vai poder sair no meio da consulta pra ir ao banheiro... e as consultas são infinitas quando você está pior que o seu paciente...




Finalmente! Dei alta a todos os meus pacientes, todos vivos e indo para suas casas ficar com suas famílias e eu poderia deitar um pouco pra descansar... deitei na cama e comecei a tremer e suar, levantei e tomei mais uma Dipirona, voltei pra cama e então minhas tripas começaram a se rebelar... sabe quando você está naquele estágio em que vai ao banheiro e não importa o que você vai fazer lá, você só enxuga e levanta? Foda...




Quando finalmente, às 3h40 da manhã, voltei pra cama para tentar descansar, tocou a maldita da campainha!!! Calma, levanta, faz cara de saudável e vai ajudar quem estiver precisando... e então me deparo com um casal de idosos aos prantos com uma labradora de 15 anos, em fase terminal de câncer, chorando de dor que eles trouxeram pra fazer eutanásia...


Eu achei que meu ano estava começando mal, mas como aquelas pessoas poderiam começar um novo ano levando sua companheira de tantos anos pra morrer? Existem momentos em que você esquece dos seus problemas para poder ajudar àqueles que precisam de você. E como você consegue pegar uma veia quando está tremendo por causa da febre e os seus olhos estão marejados devido ao sofrimento à sua volta?




Eu nunca vou me esquecer daquela família, daquela Mel que era carinhosamente chamada de “minha Loira” e do carinho daquele casal ao se despedir de sua amiga... existem momentos que realmente tocam a nossa alma. Acho que podem se passar muitos anos e eu ainda vou me sentir da mesma forma em relação à eutanásia, porque acho que se você não tem o poder de dar vida à alguém é muito complicado lidar com o fato de que você tem o poder de tirar uma vida sendo uma responsabilidade muito grande...




As horas foram se passando sem grandes acontecimentos e sem que eu me sentisse nem um pouco melhor e finalmente o sol estava nascendo prenunciando um novo começo! Existe um intervalo no tempo em que os minutos se atropelam, e ele começa exatamente às 6h da manhã... das 6 às 8h o tempo corre e você não vê ele passando! E graças a Deus o relógio bateu às 8h e eu podia finalmente ir para casa!


Dei uma última visita ao meu amigo banheiro, peguei minhas coisas juntamente com o resto de saúde que me restava, entrei no carro e fui pra casa sonhando com minha cama!


Ah, que maravilha!!! Quando você faz a curva chegando em casa, já consegue ver todo o esplendor da Guarapiranga e o cheiro da umidade invade os seus pulmão avisando que você chegou em casa! Felicidade é pouco pra descrever o que eu senti quando abri o portão!


Minha avó veio me receber, perguntou como eu estava, como foi o plantão e me disse que minha mãe estava deitada passando mal e que passou mal a noite inteira como eu... realmente, acho que bebemos água de vala e a família toda, porque depois meu primo, minha tia, e minha avó ficaram doentes e não comemos a mesma comida... conversamos sobre amenidades antes de eu poder ir para o banho e finalmente para a cama e então perguntei como foi a noite e as novidades... e minha avó só falou: Ah foi tudo ótimo, não aconteceu nada demais, todo mundo se divertiu mas infelizmente o pititico sumiu...


- Oi? Como assim o Pititico sumiu? Que pititico? 
- Ah, Carol, ontem na hora dos fogos o Sam se assustou e fugiu de casa e não conseguimos mais achar ele...




Sabe aquele momento em que você reúne todo o seu auto controle, mas tudo o que você consegue pensar é em gritar em alto e bom tom um sonoro C A R A L H O !!! Não! Não pode ser!!! Como assim você passou a noite toda sedando os cachorros dos outros por causa dos fogos e o seu cachorro fugiu por causa dos malditos fogos? E como assim ninguém achou ele??? Vou achar esse cachorro agora!



Então a adrenalina misturada com indignação e raiva contiveram as minhas tripas e eu fui pro meio da rua gritar chamando meu Sammy... andei como um carteiro e quando estava chamando passou um menino perguntando se eu tinha perdido um salsicha preto por que tinha um a 3 ruas na frente tremendo de medo e sozinho... continuei chamando, ele começou a latir e veio correndo!!! Pelo menos depois de uma noite infernal, de cagar as tripas, vomitar como uma bêbada e perder um cachorro, um final feliz!







Já deu hein, Deus? Se esse é o dia dos novos começos, esse começo eu já conheço!!!

Um comentário:

  1. Nossa Carol, que dia!! fiquei triste com tua historia. Esperemos, porque sempre há dias melhores e esses serão todos teus se Deus quiser. Carinhos.

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