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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Átila, o Único!





O mês era agosto, o ano 2005, e eu trabalhava na escola de dança. Todos os dias passava em frente a um Pet Shop, entrava para ver os filhotes, e foi então que, em um dado dia, eu vi AQUELE filhote. Era uma coisinha pequena, saltadora, com olhos grandes e carinha de coitado. Havia 4 filhotes na gaiola, mas aquele me chamou a atenção, e todos os dias eu passava para vê-lo. Eu chegava, ele pulava, eu brincava com ele e, quando eu saía, ele ficava chorando. Os filhotes foram diminuindo na gaiola e, no final, apenas aquele pequeno ficou para trás. Um mês se passou e todos os dias eu ia vê-lo, e ele continuava lá, pulando e chorando. Então tive a melhor ideia possível: levar minha mãe para vê-lo. É de conhecimento geral que Dona Colomba não resiste a um neném, seja da espécie que for, e foi dito e feito, apaixonou-se!

- Colomba, posso ficar com ele?
- Pode, mas você não pode comprar, eu não vou comprar e seu pai não vai comprar, mas pode ficar com ele...

Malditas condições! Mas como quem quer dá um jeito, fui falar com meu namorado.

- Momô, (sim, Momô) eu vi um cachorro que eu quero, minha mãe deixou eu ficar com ele, mas não posso comprar.
- Pode ir buscar que eu compro.

FEITO!




No dia seguinte, dia 09/09/2005, fui à loja e pedi ao vendedor.

- Vou levar o pretinho.
- O salsicha?
- É um salsicha?!

Até então eu não tinha nem parado para pensar qual era a raça do cachorro. Nunca achei graça nessa raça, e eu não prestei atenção nas pernas curtas, eu só conseguia ver aqueles olhos grandes e redondos.

-Sim, vou levar o salsicha!

Peguei aquela criatura feliz no colo e fui direto para a escola mostrar para minha mãe. Quando coloquei ele no chão, ele correu, correu, correu desgovernado como se não houvesse amanhã tamanha era sua alegria depois de passar tanto tempo preso em uma gaiola! Foi então que o primeiro desafio se fez presente: Eu não tinha carro e tinha que levar o cachorro para casa. Eu estava na Vila Mariana e morava na Penha, não podia entrar no Metrô e não podia entrar no ônibus com o cachorro. 

Para a minha sorte, eu pegava sempre o mesmo ônibus e conhecia os motoristas da linha. Fui até o terminal e pedi ao Japonês para entrar com o cachorro disfarçado na bolsa. Como tinha fiscal no terminal, ele pediu para que eu esperasse fora do terminal, no próximo ponto, e assim foi feito. Coloquei o pequeno dentro da bolsa, fui até o ponto, entrei no ônibus, passei a catraca e sentei. Era por volta de 17h30... Todos sabem que às 18h o Portal Mágico se abre e todas as criaturas do mundo se materializam dentro dos ônibus. Lá estava eu, em um ônibus lotado, espremida, com um cachorro disfarçado dentro da bolsa. Até ai, tudo desconfortável, mas tudo bem, e então começou a subir o cheiro...

O filho de uma cadela estava soltando muitos, mas muitos gases dentro da minha bolsa, e o fedor começou a se espalhar ao meu redor de tal forma que eu podia até imaginar aquela nuvenzinha verde sobre nós. Todos me olhavam como se eu fosse a criatura mais porca do mundo. Chegou a tal ponto, quando o miserável ultrapassou o limite olfativo tolerável, que eu tive que tirá-lo da bolsa para explicar a todos ao meu redor que não era eu quem estava fedendo, mas sim o cachorro, que devia estar com algum problema intestinal...

Mas eu cheguei! Passei em outro Pet Shop, comprei ração, brinquedos, uma caminha e fomos felizes para casa. Lá ele foi apresentado a todos os moradores, Lilica e Pietra (as tartarugas) e Amon-Ra, o gato amarelo mais safado do mundo.

Os dias foram passando, e eu cada dia mais apaixonada por aquela coisinha linda. Ele comia e trazia o prato vazio para que eu enchesse novamente. Ele colocava a caminha nas costas e andava igual a uma tartaruga pela casa para levar a cama dele aonde eu estivesse, porque além de não ficar sozinho, ele não deitava no chão. 

Foi então que o Senhor Tilas começou a colocar as manguinhas de fora e mostrar a que veio... Eu trabalhava com minha mãe na escola, ele ficava em casa e, quando eu chegava, ficava no meu colo enquanto assistíamos à televisão. Dormia no meu quarto e do meu irmão em sua própria cama, mas aos poucos foi subindo de vida e começando a subir na cama do meu irmão, que deixava com a desculpa de que o cachorro que tinha subido sozinho enquanto ele dormia... Esse amor entre eles durou o tempo suficiente para que o Átila mijasse meu irmão todo enquanto dormia, sendo rebaixado novamente à sua cama.




É sabido que, dentro das minhas inúmeras manias, dormir com o ventilador ligado é a principal. É impossível dormir no silêncio, e como dormíamos os dois no quarto, meu irmão já estava acostumado. É também de conhecimento geral que os Dachshunds têm um frio sobrenatural. Pode estar 45º C que eles estarão enfiados embaixo das cobertas, e o Tilas não era diferente. Aquilo estava se tornando um problema para ele com aquele vento todo dentro do quarto. E como problemas existem para ser resolvidos, iniciou-se a guerra do vento: eu ligava o ventilador, deitava e ia dormir, o Átila levantava, puxava o ventilador da tomada e ia dormir. Eu acordava com o silêncio, levantava e ligava o ventilador, e assim passávamos as noites até que as puxadas ficaram mais violentas e ele destruiu o fio do ventilador. Comprei outro, coloquei no alto e ele não pode mais desligar.

CAROL 1 X ÁTILA 0

Iniciou-se então o tempo da destruição. Devo admitir que essa fase nunca passou. As pessoas sempre têm a esperança de que, quando o cachorro for adulto, ele vai parar de estragar as coisas em casa. Em sua grande maioria isso é verdade, mas não com o Tilas. Ele sempre vinha me receber na porta quando eu chegava do trabalho, e quando ele não estava lá me esperando, eu já sabia que alguma merda ele havia feito. No geral era o lixo. Como gostava de um lixo aquele cachorro! E você podia colocar onde fosse, na altura que fosse que ele conseguia pegar o lixo e espalhar por todos os lugares. E as coisas deliciosas que ele encontrava no lixo? Feijão azedo, bolo estragado, arroz mofado, tudo! Eram muitas maravilhas que poderiam ser consumidas sem nunca, veja bem, NUNCA ter um vômito ou uma diarreia durante toda a sua vida! Eu considero isso um super poder! Era um cachorro magro, por incrível que pareça, e quando vinha com o corpo parecendo uma peça de mortadela, eu já sabia que alguma coisa bem grande ele havia comido.




Houve alguns episódios relacionados à capacidade estomacal e resistência aos perigos da vida, nos quais ele pode comer absolutamente tudo o que queria, que não podem ser esquecidos. Uma vez ele estava em Assis com minha irmã, e meu pai foi visitá-la. Ela prontamente preparou um strogonoff para receber a visita. Minha irmã estava na cozinh, e meu pai na sala conversando com a colega dela. O almoço estava pronto, e ela foi chamá-los para almoçar. Poucos minutos se passaram e, quando voltaram à cozinha, lá estava o Tilas em cima do fogão ligado, com a cabeça dentro da panela comendo todo o almoço! Sim! Um cachorro de 5 kg, de cerca de 20 cm de altura, subiu sozinho no fogão para roubar o almoço fumegante. E ai de quem se metesse entre ele e sua presa. Rosnava! Quando caía alguma coisa quente no chão e ele corria para comer, você ia tirar dele pra não se queimar, ele chorava, porque estava queimando a boca, e rosnava para que ninguém tirasse a comida dele. Se você insistisse, ele mordia.

Durante a faculdade eu fazia trufas para vender e me manter. Em uma ocasião de pobreza (elas não eram muito raras na minha parca vida de estudante) eu comprei o chocolate, deixei em cima da bancada, e fui ao mercado comprar o recheio para fazer as trufas. Era o único dinheiro que eu tinha. Quando voltei para casa com o restante das compras, onde estava o chocolate? Átila tinha pegado 1 kg de chocolate em cima da bancada, arrastado para o quintal, levado para sua casa e comido quase metade da barra! Meu Deus! Chocolate é tóxico para cachorro!!! Não para o Tilas! Nada era tóxico para ele! Não teve nem uma dor de barriga. No final, eu tive que ligar para casa para pedir dinheiro e passar a semana...





No quinto ano da faculdade me mudei para uma kitnet, e Tilas foi comigo. Em uma semana fomos ameaçados pelo vizinho, que era policial, que se eu não desse um jeito naquele  cachorro, ele iria matá-lo... E a denúncia? Faz pra quem? Então ele começou a ir comigo para a faculdade, mas eu estava fazendo estágio e não podia levá-lo todos os dias, pois enquanto eu estava no estágio, ele enlouquecia o hospital inteiro gritando na gaiola. Minha irmã veio buscá-lo para levar para Franca e morar com ela. Foi triste, mas necessário! No final do ano, terminadas as aulas, fiquei em casa esperando a defesa do TCC e a prova de residência, busquei meu baixinho pra ficar comigo, pois agora eu estaria em casa e não haveria problemas. 

Em uma fatídica manhã, um amigo me convidou para assistir à defesa do doutorado dele e eu fui. Tilas não poderia ir... Então tive uma ideia: dei um calmante para ele e saí de casa. Quando cheguei em casa, cerca de 2 horas depois, a cena era a seguinte: um cachorro sonolento abanando o rabo para mim na porta, até aí tudo bem... fui entrando e me deparo com uma lata de óleo usado, que iria para reciclagem, espalhada pelo chão do quarto inteiro, com patas de óleo em toda minha cama e, para esconder a sujeira, ele havia colocado sua cama sobre a poça de óleo. Quando vi aquela cena, virei pra ele e comecei a gritar: Átila! Dentro da sua sonolência em decorrência da medicação, ele havia esquecido que tinha feito merda, e quando ouviu meu tom de voz, se desesperou para fugir, mas tonto, e com o chão melado de óleo, corria no lugar até cair. A única coisa que pude fazer foi rir, dar um banho nele e lavar a casa inteira.

Tilas ia à faculdade comigo. Ele e seu irmão felino foram e voltaram tantas vezes de Botucatu que poderiam ir à pé. Voltávamos todos os finais de semana no primeiro ano. Ele ia comigo para a aula. Foi modelo nas aulas de semiologia, nas aulas de acupuntura, estava constantemente doente e vivia no HV da faculdade, que ele odiava com todas as forças. Tinha problemas de pele que o fizeram usar roupas durante 2 anos para conter a auto mutilação, teve doença do carrapato três vezes, e tive que brigar com a vizinha para que ela cuidasse do quintal dela, pois já havia perdido dois cães para a doença e ainda assim não limpava o quintal, tinha artrite nas mãos,  artrose no quadril e uma alegria de viver infinita.



Ele não podia ficar sozinho. Ele chorava enlouquecidamente. Gritava, destruía tudo em casa. Tilas comeu meus cobertores, meus edredons, meu guarda roupa, a porta do meu quarto, um livro de receitas antiquíssimo da minha mãe, revistas diversas, almofadas, entre outras coisas. Em uma noite, ele teve a capacidade de trancar minha mãe para fora do apartamento, porque fechou um trinco que não funcionava há 10 anos, após passar horas cavando a porta. A bichinha chegou em casa tarde da noite e teve que chamar um chaveiro para serrar o trinco.



Quando nos mudamos para a casa na represa, meu baixinho estava finalmente numa casa em que ele podia correr e brincar. E passada exatamente uma semana que havíamos nos mudado, chegamos em casa à noite, e onde estava meu baixinho que não tinha vindo me receber na porta? Procurei, chamei, gritei e nada dele. Ele havia fugido. Poucas coisas são tão desesperadoras quanto não saber onde está alguém que você ama. Você não sabe se está bem, se está vivo, se está com fome, frio...  Ele ficou uma semana sumido. Não trabalhei essa semana, pois passeava todos os dias na vizinhança perguntando por ele e espalhando cartazes. 

No dia em que ele saiu de casa, foi para a avenida, e uma Kombi quase o atropelou. O moço desceu, perguntou de quem era aquele cachorro, e disse que o levaria para não ser atropelado. Esse moço morava bem longe da minha casa, mas no final de semana a esposa dele foi visitar a tia, que morava na minha vizinhança, e calhou de um cartaz com a foto do Átila estar colado no poste em frente a casa da tia,e por sorte, ela me ligou. Minha mãe foi buscar meu baixinho, que havia passado a semana toda no quintal amarrado sem comer (porque não comia quando estava fora de casa), e tremendo. Meu bichinho nunca passou uma noite no quintal, e nunca ficou em uma coleira. Como disse minha mãe: 

- Fui buscar o Tilas, e cheguei lá, meu filho estava amarrado igual um cachorro no quintal! Ninguém sabia que ele era um menino!




Em 2014 Tilas arrumou um inimigo, Obama, o salsicha do vizinho, e constantemente ia à cerca brigar com ele. Em uma ocasião, caiu pelo buraco da cerca e apanhou feio. Limpei as feridas, dei as medicações, e bola pra frente! Estava comendo, estava brincando, e tudo bem. Então um dia percebi que estava mais tristinho. Levei um tubo para coleta de sangue para casa para ver como estavam as coisas. Levei o sangue e, para minha surpresa, meu bichinho estava vivo só porque não sabia que não tinha sangue o suficiente para isso. Corri para casa, peguei o danado, levei para São Roque, onde eu trabalhava, arrumamos um doador e ao final da noite, ele já estava latindo na porta para quem passasse. Era a doença do carrapato de novo. Tratei a criatura e ele ficou bom.

Em 2015, estava eu deitada tomando sol (sim, de vez em quando eu sou dessas) e o Átila sempre subia em mim para deitar na minha barriga, mas quando foi subir, cambaleou e caiu. Fui pegá-lo, e percebi que  estava com a gengiva branca. Corre de novo pra clínica... mais uma transfusão. Pernilongo (a cachorra da minha irmã) doou seu sangue de atleta nadadora para ajudar o amigo. Ele teve uma melhora considerável e recomecei o tratamento. 

Três dias após a transfusão ele começou a ter dificuldade respiratória. Levei à clínica à noite, e drenamos o abdômen. Adicionei o diurético ao protocolo. No dia 18 de agosto de 2015, tive aula de Teurgia, e como o Tilas tinha que tomar os remédios, deixei ele na clínica e fui para a aula. Assim ele ficaria assistido enquanto eu não estivesse. Tive uma crise de choro durante a aula totalmente sem explicação, e uma angústia que não sabia explicar... Saí da aula com a minha mãe e fui buscar meu baixinho. Chegando lá ele estava roxo. Não estava respirando bem. Corri com ele para o oxigênio, deixei ele lá com meus colegas e fui levar minha mãe em casa para voltar e passar a noite com ele. 

Quando abri a caixa de transporte, que tinha o oxigênio, ele correu com dificuldade e deitou lá dentro. Já estava acostumado a viajar e adorava as caixas de transporte. Quando voltei, meu baixinho estava muito roxo. Fiquei com meu menino das 18 até 23h50, tentando absolutamente tudo o que era possível para que ele tivesse conforto, para que ele ficasse bem, mas ele já não conseguia respirar e me olhava com aqueles olhos grandes e redondos, aqueles olhos pelos quais eu havia me apaixonado há exatos 10 anos, aqueles olhos, que em silêncio, me pediam ajuda, e a única ajuda que eu pude dar, foi colocá-lo para dormir e, assim, ele fez sua última viagem.





Tilas era hipocondríaco, corria pela casa todo feliz quando ouvia a palavra "remédio" e tomava os remédios como se fossem biscoitos. Passeava comigo todas noites em Botucatu. Adorava passear de carro, já sentava no banco do passageiro e ficava esperando para sairmos, chorava quando eu cantava uma música que fiz para ele, fazia fofoca quando meu irmão espirrava nele, ia comigo à sorveteria todas as tardes e ficava sentado comigo no coreto da igreja em Botucatu. Passeávamos no Lageado aos finais de semana, e adorava um carinho na coxinha. Ia comigo para as aulas, ao banco, aos restaurantes, ao trabalho. Foi na minha prova da residência, à minha defesa de monografia, e no final, soltou de onde estava com minha colega e correu para pular no meu colo. Tilas foi tirar as fotos para o album da turma, foi à minha formatura. Adorava vestir qualquer roupinha, mas era apaixonado por sua roupa de Papai Noel (era o Papai Noílas), ia trabalhar comigo na escola e foi à todas as festas da escola... Tilas era chato, ranzinza, destruidor, escandaloso, carente, chorão, doente, mas era, acima de tudo, meu amigo, e durante muito tempo, ele e o Amon foram meus únicos amigos.





Ele morou em vários lugares. Na apartamento da Penha, em Assis, enquanto minha irmã fazia faculdade, mudou-se para Botucatu comigo durante a minha faculdade, morou com minha irmã em Franca enquanto ela fazia outra faculdade e voltou comigo para morar em Botucatu novamente, depois voltou para a Penha, e finalmente,  mudou-se conosco para nossa casa na Represa, onde está enterrado ao lado do seu irmão inseparável, Amon-Rá, embaixo do meu tronco preferido no quintal, onde eu me sento para ver o pôr do Sol.



As lembranças mantém a saudade e o amor vivos, tornando nossa memória a morada daqueles que partiram. Obrigada por ter me escolhido para dividir sua existência! Coma, brinque, corra e descanse até o dia de nosso reencontro.

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4 comentários:

  1. O que é que eu posso dizer depois de ler a história do Tilas contada por vc, Carol? que ela me emocionou, me encantou, me mostrou o quanto o Tilas foi especial pra vc e sua família e quanto vc é talentosa pra escrever, entre outras coisas. É sempre um prazer ler seus textos e eu ainda espero ler um livro seu, cheinho de contos ou crônicas como essa e/ou outras que já li e que me maravilharam. Vou ter que dizer que tem um ou outro errinho de português, mas, aí, eu vou revisar o livro e conserto isso. [Rs...] Bjs amo vc e sua mãe

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    1. Muito obrigada, Aninha. Estou achando os erros aos poucos e corrigindo rs.

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  2. Que linda história com final que minhas lágrimas rolaram ��

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  3. Oww que historia linda, chorei. Ele é a cara da minha Juju

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