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terça-feira, 21 de abril de 2015

Quando a Natureza decidiu se livrar de mim...





            Já lhes contei como é viver no meu Paraíso particular não é? É lindo! Eu amo a Natureza, as árvores, os pássaros, as plantas, tudo é maravilhoso! Eu amo poder olhar pela janela antes de dormir de madrugada e ver neblina descendo na pastagem: branquinha, densa, fria e tão bonita . Mas acho que a Natureza não me vê com tão bons olhos quanto eu a ela. Costumo ter esse problema de relacionamentos não correspondidos...


            Quando você mora no mato existem algumas novas funções que aparecem na sua vida. Por exemplo, você tem que cuidar do quintal, tem que cortar a grama, tem que arrancar as ervas daninhas, e tem que varrer as folhas.


            Sabe aquela imagem linda das arvores amarelinhas no outono? As folhas secas caindo pelo chão e se espalhando ao sabor do vento. A beleza tomando conta de todo o local com aquela luz outonal que é filtrada pelas folhas que restaram nas árvores? Lindo né? Eu também achava. Até eu descobrir que as folhas, pasmem, elas não se varrem sozinhas! E sim, elas caem! E a quantidade de folhas que tem no chão daria pra fazer o dobro de árvores que você tem no quintal. É como os gatos, a quantidade de pêlos que um gato perde por dia, daria para fazer mais 2 gatos!


            As folhas se acumulam, abafam a grama e matam tudo! E você tem que tomar uma providencia! Você vai deixar que seu jardim vire um cemitério de plantas? Jamais! Pegue seu ancinho e que se iniciem os trabalhos!


            Era assim que eu costumava passar as manhãs e os finais de semana. É bem relaxante varrer as folhas. Cansativo quando a área é muito grande, mas como eu adoro estar ao ar livre, eu simplesmente não ligava. Preferia passar o dia todo no quintal tirando folhas, plantando coisinhas, ou mesmo sentada na no chão olhando a paisagem do que entrar e lavar meia dúzia de pratos.


            Nessa semana em particular o outono estava a pleno vapor! É a minha estação favorita! A luz é diferente no outono. O clima é agradável por que não está quente e nem frio demais. A paisagem fica muito mais bonita.




            Eu estava desempregada naquele tempo e passava o dia em casa cuidando das coisas, descansando e sim, varrendo as folhas. Já tinha varrido grande parte do quintal e juntado montes enormes de folhas secas. Existe um lado do quintal em casa que chamamos de Bosque das Fadas, é tão gostosa a energia la que parece que você está em outro mundo. Só faltava o nosso Bosque para limpar.


            Estava eu toda paramentada com minhas luvas de jardinagem, minha bota de borracha e meu macacão ridículo que me deixa parecendo um frentista gordo varrendo minhas folhas no fim da tarde. Ah eu estava acabando!


            Nessa semana eu fiz uma descoberta muito interessante sobre minha estação favorita. O outono não é apenas a época da troca das folhas e do descanso da natureza que se prepara para o inverno. Não é apenas a troca da folhagem das árvores. O que ninguém te conta é que os galhos também caem e eles caem em quantidades tão absurdas quanto as folhas.



            Estava eu terminando de juntar as folhas quando de repente ouço um estalo muito alto e o pavor tomou conta de todo o meu corpo. Meu Deus! Mas que raios está acontecendo? Olho para cima e não consigo enxergar nada! As copas das arvores se entrelaçam e você não consegue observar o céu. De onde vem esse barulho? Olhei para todos os lados, não vi nada, tentei correr, mas correr para onde? Onde quer que eu fosse haviam árvores, e onde há árvores, os galhos caem. Num momento de lucidez resolvi me abaixar e proteger a cabeça.



            E num raio de 2 mil metros quadrados com dezenas de árvores, o desgraçado do galho de quase 2 metros de comprimento desprendeu do eucalipto de mais de 20 metros de altura e caiu onde? Em cima de mim! O maldito galho caiu no meio das minhas costas. Que DOR!!!


            Calma, respira, respira, respira! Quebrou alguma coisa? Você consegue andar? Ta tudo funcionando? Ótimo! Restrinja-se ao anonimato e volte para dentro de casa. Eu sobrevivi! Mas as folhas teriam que esperar!


            Com muita dor nas costas eu resolvi que não iria varrer as folhas nos próximos dias, mas aquele assunto ainda não estava resolvido. Passado um curto período, voltei aos meus afazeres normais e fui terminar de uma vez por todas com aquelas folhas. E eu varri! Como eu varri!


            Enquanto eu cuidava dos meus problemas, Pernilongo corria feliz pelo quintal e nadava na represa. De repente uma família de capivaras resolveu nadar também e Pernilongo, muito ambiciosa, decidiu que a capivara macho seria sua próxima refeição.


É engraçado ver os planos que ela faz para pegar as capivaras, é como assistir ao Papa Léguas e o Coiote! E la se foi Pernilongo caçar a capivara. Geralmente ela corria atrás delas, as capivaras sumiam na água, e ela se contentava com isso. Mas não naquele dia. Naquele dia Pernilongo estava com sangue nos olhos e resolveu que iria ter aquela capivara.


Pois ela atacou, entrou na água e foi nadando até onde a capivara estava, latindo e desaforando, mas o contra ataque foi forte. Dona capivara pulou na água e começou a perseguir Pernilongo dentro da água e a única coisa que a Lili podia fazer era nadar o mais rápido que pudesse.


Eu gritei com ela, falei para sair dali, mas ela simplesmente não obedecia e cada vez que a capivara voltava, ela corria atrás dela de novo. E na última vez, Lili entrou na água, nadou até perto da capivara que deu 2 gritos avisando que não queria assunto, pulou na água, perseguiu Pernilongo até a parte seca e não parou por ali! Começou a correr atrás dela no gramado!


O que eu ia fazer? E se a capivara pegasse Pernilongo? Um bicho de 70kg contra um cachorro de 20? Seria um massacre! Reuni toda a minha coragem, peguei meu ancinho e comecei a gritar e correr pra espantar a capivara abanando os braços e balançando o ancinho, resumindo, uma louca!


Lilith virou em minha direção, veio correndo com a capivara em seu encalço e quando eu gritei:
- Corre Pernilongo!




E ameacei a capivara com todas as imprecações que eu conhecia, dei um passo em falso, travei a coluna e cai no meio do mato com cachorro de um lado e capivara de outro. Por sorte o ancinho caiu da minha mãe assustando a capivara que nos deu as costas e eu fiquei la totalmente paralisada com a filha da mãe de Pernilongo lambendo minha cara com aquele cheiro de vala comum.



Naquela semana eu ganhei 2 presentes: uma importante lição: você pode amar a Natureza mas ela não ama você. E o segundo foi um presente dado pela minha avó que ao ouvir meu terrível relato me trouxe uma bolsinha de crochê que ela mesma fez para eu que pudesse pendurar meu celular no pescoço pra não correr o risco de morrer sozinha no mato sem conseguir nem ligar pro SAMU da próxima vez que a Natureza resolvesse me atacar (obrigada meu Rato).

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Lilith, o Pernilongo





            Sim, finalmente estou vivendo no Paraíso. Sabe quando você tem um sonho tão vívido e te acompanha desde a infância que quando se realiza você tem a nítida certeza de que a sua vida vai ser maravilhosa a partir daquele dia? Pois sim, isso aconteceu comigo! Após 12 anos morando num apartamento horrível, finalmente conseguimos nos mudar para a casa dos nossos sonhos. Não apenas uma casa, a casa com a qual eu sonhei desde criança, no meio do mato, com bastante água, árvores, animais e até com a minha “torre” redonda. Sim eu estava vivendo meu sonho.


            A felicidade invade a sua vida tão de repente que você não sabe o que fazer com aquele sentimento! É tão recompensador quando as coisas começam a dar certo para você que a alegria transborda no olhar e vê a beleza em tudo à sua volta. Eu estava assim.


            É tão gostoso poder acordar cedo ao som dos pássaros cantando! Poder olhar pela janela e só ver céu, sol, verde e beleza! Os pequenos sons do bosque com as borboletas voando, o vento agitando as copas das árvores, os saguizinhos chamando uns aos outros com aqueles gritinhos agudos, os esquilos procurando castanhas e frutinhas, os patinhos nadando logo cedo na represa dentro do seu quintal! E as capivaras? Lindas, imensas e tão pacíficas deitadas ao sol da manhã. Realmente bucólico.




            Mas como se diz, Deus dá, Deus tira... a vida não pode ser apenas sonhos e pirulitos, por que junto com o doce, vem o amargo e no dia em que coloquei meus pés naquela casa, uma moradora mais que inesperada se mudou junto conosco, Lilith, também conhecida como Pernilongo.


            Todo mundo conhece os pernilongos. Eles são chatos, inconvenientes e estão em toda parte ao mesmo tempo! Assim é nossa Lili. Lilith é uma vira-lata que foi adotada pela minha irmã que caiu no velho golpe do filhote na chuva.


            Vou lhes contar o supremo mandamento do vira-lata:
 I - Quando chover, correrás atrás do primeiro idiota que cruzar o seu caminho fazendo a cara mais doce e encantadora que conseguir e tremendo de frio e se ele te pegar no colo, coloque a cabeça no ombro dele. Não falha nunca!




Eis que o primeiro idiota veio a ser minha irmã (Sorry Pilan) e foi assim que, alguns meses depois, dona Pernilongo entrou em nossas vidas.


            Lilith sempre foi uma cachorra muito ativa. É de se esperar que os filhotes sejam arteiros. Ela foi adotada com cerca de 3 meses de idade e era bem feiosinha. Aos poucos foi crescendo, ganhando corpo, ganhando pernas (cada vez mais compridas parecendo um pernilongo) e foi ficando grande demais para dividir o espaço na kit net com minha irmã e seus dois gatos.


            E os gatos? Imagina que você é o ser mais limpo, mais higiênico, mais fresco e esnobe de todo o reino animal? Afinal você pode, por que você é um gato e os gatos são lindos. Agora pensa que você vivia em total comunhão com a boa vida, só comendo, dormindo, ganhando carinho e ronronando e não mais que de repente, uma cachorra sem vergonha tem a pachorra de cagar na cama da sua mãe, te pegar pelo pescoço como se você fosse um boneco de pano e te esfregar na merda?




Oi? É isso mesmo? Sim! Dona Lilith pegava o gato e esfregava ele na merda. Minha irmã trabalhava e estudava o dia inteiro, tinha que chegar em casa 11 horas da noite, reconstruir a casa e dar banho no gato. E foi assim que por motivos de força maior, dona Pernilongo foi convidada a dividir nosso paraíso conosco para que minha irmã e seus gatos pudessem voltar a viver na paz de Deus.


Nunca vou me esquecer da cena. Fomos à rodoviária do Tiete buscar minha irmã que estava vindo passar o aniversario em casa e aquele seria o primeiro dia em que dormiríamos na casa nova e eis que avisto minha irmã e uma coisinha tão esquisita que só tinha pernas e alegria. Naquele dia já coloquei o apelido: Pernilongo.


Deixe me contar uma coisa sobre nosso Pernilongo... Lilith é uma cachorra que sabe aproveitar toda e qualquer oportunidade que a vida tem a lhe oferecer. Acho que devia ser tida como um exemplo de oportunista. Vamos ver o porquê disso...


Pernilongo em sua essência é uma caçadora. Você se muda para o mato para conviver com os pequenos animaizinhos do bosque, os macaquinhos, esquilinhos e da até gritinhos quando vê um pequenininho passando com uma frutinha, chama seus parentes, tira foto, é uma alegria sem fim. Ai você acorda feliz da vida, vai para o quintal pra observar a natureza logo cedo, olha pra baixo e eis que Pernilongo está comendo seu amigo, o Esquilo...




Que bosta hein? Bom, é o instinto do animal... você deixa estar e vai fazer outra coisa pra não se sentir mal pelo esquilo. Os dias se passam sem maiores acontecimentos e então, você sai para trabalhar, volta para casa e vê Pernilongo com um fêmur cheio de carne que você não sabe se é de cavalo, de boi, de gente, de qualquer coisa que vivia antes de se encontrar com Pernilongo. E o desespero? Ela não me deixou ver o que era! E se ela tivesse achado um corpo? Acalme-se durma e veja pela manhã.


Acordo de manhã me sentindo dentro do Massacre da Serra Elétrica com medo do que vou encontrar no quintal. Pernilongo vem toda feliz me receber e eu encontro: 1 femur, 2 úmeros, um coxal, 2 escapulas, um rádio, algumas costelas e uma cabeça de cachorro. OMFG temos uma assassina entre nós! Lilith passou a noite inteira se exercitando e trouxe uma vaca inteira para o quintal! As perguntas que não me deixam em paz são:

1.       Onde raios ela encontrou uma vaca?
2.      Ela matou a vaca?
3.      Por que diabos um cachorro precisa de tantos ossos pra ser feliz?
4.      E por que, pelo amor de Deus, a desgraçada estava roendo um crânio de cachorro???
5.      Ninguem contou pra ela que cães não são canibais?




Aos poucos fomos vendo a fauna silvestre desaparecer à nossa volta. Esquilos, macacos, ratões do banhado, patinhos, frangos d’agua, minhas tartarugas, tudo... mas o senso de oportunidade supremo de Pernilongo se apresentou há pouco tempo...


Dentre todas as atividades de Pernilongo, o nado é a que ela mais pratica com uma única finalidade: a caça. Ela toma conta de um território de mais de 2 mil metros quadrados na represa como se fosse tudo  dela e ninguém pode andar por lá sem que ela anuncie.




Pois bem, nesse dia fatídico, os latidos estavam ensurdecedores e fui procurar o que estava acontecendo. A cena era a seguinte: em uma das ilhotas da represa, 2 cachorros caçaram um ratão do banhado e o estavam comendo, Pernilongo, como é a proprietária da Guarapiranga, foi reivindicar a sua parte e tomou uma surra dos seus semelhantes. Mas vocês acham que ela ia deixar barato? Jamais! Pois onde há carniça, há urubu e onde há uma oportunidade, dona Lilith aproveita! Pois o urubu veio se deleitar com a carne do ratão do banhado e foi surpreendido ao ser capturado por alguém mais oportunista do que ele: Pernilongo.




Se isso não é senso de oportunidade, eu não sei mais o que é. Não posso comer o ratão do banhado? Beleza! Vou comendo esse urubu aqui até os cachorros cansarem! E ela comeu! E depois buscou os restos do ratão e comeu também!
Eu ainda não cheguei a uma conclusão sobre o que é viver com dona Lilith, não sei se temos sorte ou Azar na companhia dela. Ela é o cachorro mais sem vergonha que eu já conheci, mas ainda assim nos rende boas risadas.



quarta-feira, 15 de abril de 2015

A Mulher Imóvel



Todo mundo tem aquele dia em que acorda querendo que o mundo morra para não ter que falar com ninguém. Comigo não é diferente. Eu tive esse dia. Aliás, eu continuo tendo dias como esse há anos! Essa é a história de um dia em particular, no primeiro ano da faculdade.


Minha entrada na faculdade não foi exatamente como eu queria, eu demorei 3 anos para gostar daquele lugar e estou para dizer que o primeiro ano foi como viver no inferno, depois eu não queria sair de lá por nada. Mas enfim, vamos à história. Eu morava com duas colegas de faculdade, uma da pós graduação e outra da minha sala. Me dava muito bem com a mais velha e conversávamos horas e horas na porta do quarto dela quando eu voltava da aula e ia tomar banho.


Esse dia em particular, eu estava azeda. Eu não tinha carro, e Botucatu é uma cidade que tem o transporte público tão desgraçado que a prefeitura incentiva dar carona. Morávamos próximo à Fazenda Lageado e não tem nada no entorno além de uma padaria e as casas. Minha amiga tinha carro e quando precisava ir à algum lugar, ela me dava carona.


Eu costumava voltar para casa todo final de semana pois não suportava ficar muito tempo naquele lugar. Esse final de semana em particular, eu não voltei para casa. Quando você é estudante você não faz compras no mercado, a sua mãe faz compras no mercado e você faz compras na despensa da sua mãe, simples assim. Mas como já estava há duas semanas sem voltar para casa e meu estoque de miojos estava no fim, minha colega me chamou para ir ao mercado e eu juntei toda a educação que me restava dentro do meu mau humor e saí com ela.


Chegamos ao mercado. Eu estava me controlando para ser educada e simpática, mas tudo na vida tem limites. E o limite era uma mulher misteriosa que estava caçoando da minha situação. Ou eu achava que estava.


Pegamos o carrinho, fomos conversando e comprando as coisas. Eu gosto de ir ao mercado, mas quando se está de mau humor até uma ida à Disney é motivo pra te irritar.  Eu não tinha muitas coisas para comprar, fui mais para fazer companhia mesmo. Chegou certo ponto que eu já estava cansada daquela movimentação e resolvi dar uma de prestativa e ir buscando as coisas enquanto ela esperava na fila do açougue.


Com minha lista em mãos, fui pegando as coisas, empilhando da forma como conseguia nos braços pra poder voltar pra casa e não ter que falar com mais ninguém até o fim do mundo. E eis que eu tropecei e todas as coisas caíram no chão. Já não é vergonha suficiente você tropeçar no mercado, você ainda tem que derrubar as coisas. E havia uma mulher. Não apenas uma mulher, havia aquela mulher que me olhava passar por aquele constrangimento e não fazia nada para ajudar.








Eu havia chegado ao meu limite. O dia estava péssimo, eu estava mal humorada, as coisas não davam certo e aquela mulher continuava a me olhar naquela situação e não moveu um dedo para me ajudar. Na realidade, ela não se moveu uma única vez. Aquilo me fez ficar irada, por que eu pedi licença e nem mesmo isso a desgraçada pode fazer por mim. Era só dar um passo para o lado, mas nem isso.


Existem dias que você não deve levantar da cama, dias em que a vida seria muito melhor se você simplesmente não existisse, dias em que a fúria toma conta de você de tal forma que você faz coisas que jamais imaginou que seria capaz. E nesse dia, agachada no chão, de costas para a maldita mulher imóvel eu reuni todas as minhas forças para xingá-la com todas as palavras de baixo calão que eu conhecia.




Levantei-me com meu ar de superioridade pronta para iniciar uma discussão, me sentindo o Liu Kang de vontade de dar uma voadora na cara da maldita. Virei para a desgraçada e o golpe foi tão duro que eu demorei alguns momentos para entender o que estava acontecendo.


Aquela mulher, a vaca que não podia me ajudar, nem tampouco me dar licença, era uma placa. Sim meus amigos, uma PLACA em tamanho real no formato de uma mulher. Para sermos mais específicos, eu estava a ponto de bater na Giovanna Antonelli. O absurdo da situação me pegou de tal forma que meu mau humor simplesmente desapareceu. Eu, na minha ira, estava fazendo planos de discutir com uma placa por que ela não me ajudou a recolher a bagunça que eu mesma havia feito. Parece que a minha vida realmente está aprisionada em uma piada de português.






terça-feira, 14 de abril de 2015

O Ataque da Coruja

(Meu Tilas e eu)


Estudar no interior te proporciona experiências que você jamais teria caso tivesse ficado em casa, na capital. Essa é uma daquelas histórias em que você pode fechar o diagnóstico: eu vendi churros na crucificação.


Vocês sabem como eu odeio andar, entretanto, quando se tem um cachorro e se mora em uma kit net você não tem muita escolha, tem que sair com o dito cujo para passear.


Estava no último ano da faculdade, estudando para a prova de residência e o Átila tinha voltado para Botucatu para ficar comigo no final do ano já que eu não precisava mais ir à faculdade com a mesma frequência.






Um certo dia, acordei cedo e estudei até por volta do meio dia, como fazia todos os dias, almocei e dei uma descansada. Nessa época, enquanto eu descansava, aproveitava para ir ouvindo a matéria que eu tinha gravado no celular para não esquecer de nada. O dia foi passando, passando, eu estudando e quando chegou por volta de umas 16h30 resolvi levar meu Tilas para um passeio e dar uma espairecida.


Eu não gosto de andar, mas quando estou andando, a coisa que me dá mais alegria é poder ouvir música. É como se sua vida tivesse sempre uma trilha sonora que só faz sentido para você mesmo. Então troquei de roupa, peguei meu celular com as músicas, o fone, o cachorro e saí para dar uma volta.






Morava nas imediações da Praça Brasil-Japão que é um lugar bem gostoso para caminhar. Então peguei o Perna Curta e fomos bater perna. A rua estava pouco movimentada, o que para mim é uma grande vantagem, pois como toda pessoa que tem espírito de velho, não gosto de aglomerações. Tinham apenas algumas pessoas, também passeando com seus cachorros, e outras sentadas conversando.


Já estávamos caminhando há um tempinho quando de repente eu vejo um casal apontando para cima. Achei aquilo estranho, mas continuei andando sem olhar para não parecer que eu estava prestando atenção demais aos que os outros faziam. O Átila ia farejando tudo, marcando seu território infinito e eu percebi que uma coruja estava dando voltas no ar à nossa volta. Achei aquilo estranho mas também bem divertido. Eu amo corujas e não é um animal que se vê com muita frequência no centro da cidade.


Continuamos caminhando distraidamente quando de repente a coruja dá um mergulho e ataca o Átila! Ele deu um grito e me olhou com cara de assustado pedindo colo. Eu levei alguns segundos para entender aquilo.





Para tudo! Como é que uma coruja vai atacar o meu cachorro no meio de uma praça com pelo menos mais uns 5 cachorros diferentes? Achei que tivesse sido algo ao acaso. E continuei andando. Não dei mais que 10 passos quando a desgraçada voltou e deu um rasante na minha cabeça! Aquela situação já estava passando dos limites! Isso já está ficando pessoal! Dei meia volta e resolvi que estava na hora de voltar pra casa.



Estávamos já no final da praça quando a miserável deu outro mergulho e enfiou as garras nas costas do meu baixinho! E foi então que eu juntei todo o meu auto controle, peguei meu filho no colo e saímos correndo com o rabo entre as pernas enxotados por uma ave enlouquecida ao som de I will survive.



segunda-feira, 13 de abril de 2015

Ser Pobre





Ser pobre por si só já é Azar demais. Vocês tem que entender que os socialmente desfavorecidos passam por situações que algumas pessoas jamais sonhariam.


           

Não venho de uma família miserável. Já tivemos uma situação boa, mas com o tempo acabamos ficando apenas com a “situação” e o que era bom, ficou no passado.


O duro não é você ser pobre, o duro é ser pobre e ter cabeça de rico. Por que você não gosta da situação em que vive, não acha normal ser pobre e não consegue chegar ao patamar que você acredita que deveria estar por que, querido, você não pertence a esse mundo. É como se você vivesse no limbo, uma criatura que vagará por toda a eternidade sem pertencer a lugar nenhum. Essa sou eu.



Ser pobre é não poder sair nunca para lugar nenhum e se convencer de que você não gosta! Ah quem gosta de ir ao cinema? Alguém nesse mundo gosta de viajar? Ah faça-me o favor! É dormir dentro do carro na hora do almoço por que não tem dinheiro pra colocar gasolina e voltar pra casa. É andar na banguela 90% do caminho pra não gastar combustível (dane-se o freio, eu só o arrumo uma vez na vida, gasolina é todo dia!). É doar sangue na hora do almoço na faculdade contando com o lanche. É remendar tanto as suas roupas que no final você já não lembra como ela era originalmente. Ser pobre é triste!


Por que o pobre é despejado, fica sem luz, sem água, sem gás, sem dinheiro até pra pegar um ônibus. E o ônibus? Cada vez que entro em um ônibus eu me sinto como se estivesse indo rumo à derrota. Eu odeio o transporte público. Canso de ver as pessoas falando que é bom, que você tem que usar, que você não tem consciência de coletividade! Aí colocarem a bunda magra delas no carro e saírem felizes enquanto os coitados dos pobres estão lá no “buzão”.





Não, eu não tenho consciência de coletividade. O máximo de coletivo que eu me permito é a lotação do carro, 5 pessoas, e ainda assim tenho que sentar na frente por que não quero me espremer com as 3 atrás. Experimenta pegar um ônibus às 6 horas da tarde para voltar pra casa. É duro não é? Agora pensa que você é gordo e que alem de ficar com as 175 pessoas num ambiente fechado, imagine que todas, eu disse TODAS vão passar roçando em você por que você tem uma massa considerável e não é o tipo da pessoa que cabe em qualquer cantinho.




Aí existem duas opções: ou você fica na parte da frente e não senta nunca por que se você conseguir um assento, um idoso vai brotar do chão e mesmo que você tenha assento preferencial até o cara que está sentado no assento de idoso fingindo que está dormindo para não levantar, vai te julgar. Ou você luta bravamente, atravessa a famigerada catraca e se mistura com a multidão, e aí meu nego, o contato humano é muito maior do que você gostaria.


A batalha pra chegar à porta de saída, já começa quando você entra no ônibus. Uma vez entrei em um “coletivo” que tinham 3, veja bem, 3 filas de pessoas em pé no corredor! Como é que faz gente? Como faz pra chegar na porta? Acho que é por isso que tem os ferros pra segurar na parte de cima, por que em caso de necessidade extrema, você pode se pendurar neles e ir “flutuando”.


Abençoada seja a pessoa que pensou em colocar 2 portas para saída nos ônibus, por que agora você passa a catraca, arma a sua cara de “se encostar em mim eu te mato”, agarra o desgraçado do ferro sujo na frente da porta e chacoalha até o seu destino tendo a certeza de que na hora em que a necessidade for muito grande, é só sair pela porta.




Ai você está lá, espremido com dezenas de desconhecidos, olha para baixo e vê os carros passando, lindos, limpos, civilizados e você pensa: porque? Por que meu Deus eu não mereço estar aí? Por que a vida não é justa. E a única coisa que você vai ter justa na sua vida é a roupa que não te cabe mais.


Agora vem a pior parte: o Metrô! Aquilo sim é a antessala do inferno. Milhares de pessoas passam por aqueles trens todos os dias em total desconforto. E o que em nome de Jesus é a estação Sé do metrô? A qualquer hora do dia ou da noite, em qualquer dia da semana aquela desgraça estará cheia! A minha teoria é que o Diabo dá cria na Praça da Sé e os filhotes correm loucamente para a linha vermelha do Metrô ouvindo funk sem fone de ouvido.


E quando você acha que não cabe mais ninguém dentro do trem, o condutor fala: Estação Brás... Aí as leis da Física se dissolvem na multidão e duas pessoas passam a ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo, às vezes até 3...


O Metrô é bom pra quem gosta de viver perigosamente, pra quem gosta de sair de casa e ver onde o mundo vai te levar, sem direção. Você não tem muita escolha, é sempre uma surpresa até onde você pode chegar. Por que você entra no curralzinho atrás da linha amarela fecha os olhos e se entrega.


Nesse momento você é levado pela multidão, você “é entrado” no trem e quando menos espera, isso pode ser em qualquer estação, você “é saído” do trem. Acho que é o mais próximo que nós pobres mortais chegaremos de ser um astro de rock, se jogar na plateia e ver onde o público te leva! Só para que fique bem claro, eu odeio muito o transporte público!





Acho que o bom de ser pobre é que você começa a dar valor às pequenas coisas da vida, por que querido, as grandes, você não pode ter... você começa a desenvolver técnicas ninjas de sobrevivência com o mínimo possível, habilidades manuais para cozinhar, artesanato, reciclagem qualquer coisa que você possa ganhar dinheiro com isso. O pobre é acima de tudo criativo!




Eu venho de uma geração em que as pessoas aprendiam a fazer as coisas. Minha mãe me ensinou a lavar, limpar, cozinhar, costurar (tá bom, isso foi minha avó por que minha mãe não sabe costurar), e eu nem era pobre quando era pequena. Mas venho de uma família que acha que você deve estar pronto para o que der e vier. Se você tem dinheiro, ótimo, paga alguém para fazer, mas se não tiver, não passa apertado por não saber fazer as coisas.


Mas hoje em dia, existe uma nova classe de pobres. É uma classe de pessoas que não quer que seus filhos passem por aquilo que eles passaram, como todo e qualquer pai, mas para isso eles não ensinam nada dos trabalhos “subalternos”. As meninas não sabem cozinhar, não sabem limpar uma casa, lavar uma louça por que as mães acham que estão protegendo as filhas. Os meninos não sabem trocar uma lâmpada, um chuveiro, não sabem os afazeres domésticos, não sabem fazer nada! E aí, além de pobre financeiramente, você é um pobre em habilidades para viver bem com aquilo que tem.


Fiz muita trufa pra vender na escola e na faculdade pra me sustentar e se não soubesse fazer nada, não teria me formado. La em casa, fazemos faxina, cortamos grama, cortamos a cerca viva, trocamos chuveiro, limpamos calha, pintamos parede só não fazemos reforma por conta própria por que não temos dinheiro pra comprar o material.


Trabalho não é vergonha para ninguém, e trabalho é trabalho, não importa qual seja. Obviamente que eu preferia ser presidente de uma multinacional ao invés de ficar com o umbigo no fogão, mas até lá, você precisa sobreviver para poder viver da forma que quiser.





Como dizem por aí, existem 3 formas de ficar rico: nascendo rico, casando com um rico ou ganhando na loteria. As duas primeiras já cortei da minha lista, mas eu tenho fé que ainda vou ganhar na loteria. Por que uma coisa que pobre tem é fé! O desgraçado não tem dinheiro pra comprar um pão, mas vai lá fazer sua fezinha sagrada pra ver se muda de vida. Mesmo sabendo que eu tenho Azar no jogo, Azar no amor, e sorte no Azar, ainda assim eu tenho fé, por que afinal de contas acordar todo dia sem uma perspectiva de melhora é pra fazer o caboclo secar no pé de tanta depressão!