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segunda-feira, 5 de outubro de 2015

HIGHWAY TO HELL









Ah que ansiedade! Após 4 longos anos estudando loucamente finalmente havia chegado ao quinto ano da faculdade, o ano dos estágios! É um período muito importante no qual você aprende na prática tudo aquilo que viu na teoria na universidade. O ano era 2011 e aqui nossa história começa...


 Eu tinha tudo esquematizado: são 9 meses de estagio com um mês de férias, duas apresentações de estágio com discussão de casos clínicos, defesa do TCC e a famigerada Prova dos Cinco anos. Foi um ano bem intenso.


Devido a um projeto que estava sendo desenvolvido na faculdade, não pude sair no primeiro semestre então passei esses meses dentro da UNESP fazendo estágios nos mais diversos setores e eu me sentia em casa!



No mês de junho fiz meu estágio no meu setor preferido, Clínica Médica da Pequenos Animais, conheci pessoas incríveis e convivi mais de perto com outras, já queridas que conhecia devido ao Rodízio do quarto ano e em julho seria o mês das férias, mas devido à falta de estagiários na faculdade e ao grande movimento na Clínica, acabei ficando na emergência para aprender e ajudar os residentes na rotina. Ok, mudança de planos: 10 meses de estágio e sem férias.



Ah! Finalmente estava pronta para sair da UNESP e conhecer outros locais, e o mês de agosto foi o primeiro em que saí de Botucatu rumo ao mundo e fui à UFMG, em Belo Horizonte, para o Departamento de Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais.
Boa parte de minha família é de Belo Horizonte, então tudo já estava pronto para minha chegada, saí de Botucatu, peguei minha avó em São Paulo e fui com um colega de turma, que até então era meu amigo desde o primeiro ano e após a viagem cortamos relações, tamanha maravilha de passeio...


Tenho 3 tias avós em Minas e primeiro fui para a casa de minha tia avó em Betim que fica na região metropolitana de BH. Passamos o domingo tranquilo no sítio e segunda-feira começaria o estágio...
Minha tia avó, toda prestativa, acordou cedo conosco e foi nos guiando até a faculdade, à 34 km dali, em Belo Horizonte, na Pampulha e quando nos deixou na faculdade ela já havia solucionado o problema da volta:


- Carol, pra voltar é só fazer o caminho contrário!
- Oi? Como assim é só fazer o caminho contrário?
- Você não prestou atenção na ida? Então a volta é igual só que ao contrário.


Ah sim! Agora que foi explicado ficou fácil...




Preferi passar o dia aproveitando as novidades da faculdade do que me preocupando com a volta, mas o relógio bateu às 18h e meu destino estava selado: eu tinha que voltar para casa...


Peguei minha coragem, minha invejável memória de portador do mal de Alzheimer, meu parceiro de aventuras, entramos no carro e fomos para a estrada.


Agora fica aqui minha homenagem ao povo mineiro. São pessoas que sempre têm as melhores intenções e uma disposição incrível para ajudar aos outros, seja qual for o problema que estiver enfrentando, o mineiro tem a solução. Eles sempre podem dar um palpite e sabem todos os caminhos... ou assim eu pensava...


Começamos nossa jornada não sem antes ligar para a minha avó e pedir as coordenadas que foram passadas prontamente e caímos na estrada.


Não posso dar muitos detalhes quanto ao trajeto utilizado, porque até hoje eu não entendi o que aconteceu, mas após seguir centenas de placas que indicavam locais que não estavam no sentido que a placa indicava, finalmente encontramos a estrada para Betim.


Achamos melhor parar em intervalos regulares para pedir informações sobre o caminho e cada pessoa que passou por nosso caminho nos recebeu com um sorriso no rosto e um palpite totalmente descabido.


Certa hora eu já não sabia se estava indo para Betim ou voltando para Belo Horizonte, então parei no posto de gasolina, que é o local onde, no tempo livre, os frentistas ficam brincando com o Google Maps decorando todas as ruas e caminhos, pelo menos em São Paulo é assim, e pedi informação:

- Moço, eu preciso ir para Betim, pra que lado eu vou?
- Pra Betim? Cê ta do lado errado da estrada, menina, segue reto toda vida, ai cê vai vê uma ponte, sobe a ponte, quando descer, em seguida vai ter uma entrada pra subir a outra ponte, ai cê sobe e vai dar do lado certo da estrada aí é só seguir as placas.
- Deixa eu ver se entendi: eu subo a ponte, desço e depois eu subo a ponte de novo?
- Isso mesmo!
- Mas assim não vai dar do mesmo lado que eu estou agora? Porque eu subo a ponte, passo pro outro lado, se eu subir de novo, eu volto pra esse lado, não é isso?
Ele me olhou com aquela típica cara de: se você sabe o caminho por que veio me perguntar? E muito simpático me respondeu:
- Não, menina, você vai direto pra Betim assim.
- Muito obrigada então...




Dentro da minha imbecilidade, eu segui as precisas informações do frentista, subi a ponte, desci a ponte, peguei a entrada, subi a ponte, desci a ponte e me vi passando novamente no posto de gasolina...


Sabe aquela vontade de sair gritando? Como diz a minha avó, nesse momento eu queria fazer uma birra de calcinha que consiste em ir para o meio da rua, arrancar a calcinha, jogar no chão, pular em cima e gritar igual uma louca! Então liguei pra minha avó de novo:
- Vó, to perdida!


E o que eu ouvi do outro lado da linha foi o som da derrota, só aquela sonora gargalhada, que faz com que o sangue da pessoa perdida ferva instantaneamente e fiquei em silêncio esperando as coordenadas...
- Vó, to perdida mesmo...
- Onde você está, minha gata?
- Vó, quando eu estou perdida eu estou perdida mesmo...
- Mas onde você está?
- Eu não sei! Eu to perdida!!!
- Então para em algum lugar e pergunta onde está!
Desliguei o telefone e fui procurar um posto de gasolina.
- Moço, eu preciso ir pra Betim, já rodei 90km e eu não sei pra onde ir! Em que cidade eu estou???
- Você tá em Contagem!
- Que? Mas eu to indo pra Betim ou voltando pra Belo Horizonte.
- Ta indo pra BH.
- Pelo amor de Deus! Você não vai me mandar subir a ponte né?
- Não, menina, pega o retorno e depois segue em frente toda vida.


Mineiro tem essa mania de “toda a vida”... se bem que não faz muita diferença das outras informações, porque se eles falarem que “é logo ali”, você também vai andar toda a vida... agradeci e liguei pra minha avó de novo.
- Meu Rato, eu estou em Contagem...
- Mas em que lugar?
- Essa é toda informação que eu tenho, to no posto de gasolina, no sentido de BH, vou pegar o retorno e seguir toda a vida...
- Isso, filha, então faz o retorno e vem pra casa.


Agora sim eu fiquei mais tranquila! É só ir pra casa? Ufa! Tivessem me dito isso antes eu tinha economizado 90 km!


As horas foram se passando e eu realmente cheguei a pensar que iria andar “toda a vida”, então reconheci um boteco no centro de Betim e liguei pra minha avó de novo.


- Vó, to no boteco X (não me lembro o nome) perto do trilho do trem, você pode mandar uma equipe de busca, um helicóptero, qualquer coisa pra vir me buscar?
- Fica aí que sua prima vai te buscar.




E então, depois de quase 6 horas e mais de 100km para percorrer um trajeto de 34km, minha prima foi me buscar e eu cheguei em casa. Que alegria! Esse foi o primeiro dia de estágio e na manhã seguinte começaria tudo de novo...


O dia clareou e minha avó teve a brilhante ideia de ir conosco para a faculdade em seguida pegaria um ônibus, iria para a casa de minha outra tia avó, que fica no centro de BH, e depois no horário de ir embora, a boa alma pegaria outro ônibus e iria nos buscar na faculdade para nos mostrar o caminho. Que mulher santa!


E assim foi feito... 18h pegamos o carro e minha avó estava no ponto de ônibus esperando! Então fomos para casa... ela foi nos indicando o caminho, quando não mais que de repente o trânsito parou completamente! Havia uma manifestação de professores no centro da cidade e as ruas estavam interditadas e, então, nós nos perdemos novamente...




Dessa vez foi mais tranquilo, pois minha avó estava conosco e indicava como chegar. No dia seguinte, minha avó foi conosco de novo para a faculdade e na volta lá estava ela no ponto de ônibus esperando pra nos buscar. Dessa vez nada poderia dar errado! Aí ela resolveu passar no mercado... mas o mercado não ficava no caminho de casa, então fizemos um desvio, fomos ao mercado e depois para casa...


No terceiro dia, novamente, fomos os três para a faculdade e de tarde a coitada estava no ponto de ônibus esperando, pegamos minha veínha, fomos para casa e minha avó confundiu o caminho e nos perdemos...


Sabe quando parece que você está aprisionado dentro de uma piada? Ou naqueles filmes em que todos os dias você acorda e está preso na mesma situação? Então, eu estava! Meu destino era me perder em BH! Já estava cansada de fazer minha avó ir comigo à faculdade e decidi que iriamos sozinhos!


Ah, que iniciativa idiota! De fato, chegamos à faculdade, mas na volta... me deu um vazio imenso passar em frente ao ponto de ônibus e não ver minha Guia turística preferida, mas aguentei firme e segui em frente com a cara, a coragem, a burrice e para variar um pouco, nos perdemos...




- Vó, você pode não acreditar, mas nós estamos perdidos...
- Onde você está?
- Não sei, vó, um moço nos indicou o caminho e agora estamos numa tal de Avenida do Contorno...
Sonora gargalhada...
- Sai daí, menina, essa avenida tem esse nome porque contorna a cidade inteira!
- Puta que pariu! Pra onde eu vou?
- Faz assim, tem algum táxi por aí? Paga pro taxista e segue ele até em casa.
- Ok.


E então, depois de duas horas rodando pela cidade, seguimos o taxista e chegamos em casa...




No dia seguinte, minha avó resolveu que iria nos buscar na faculdade, então, às 18h, lá estava minha Ratinha no ponto de ônibus e dessa vez, fomos para casa sem grandes percalços!


Os dias se passavam sem grandes problemas e então tínhamos um curso de final de semana em Botucatu... Ok! Peguei minhas malas, meu colega, minha avó, o carro, fomos para São Paulo ver minha mãe e depois iríamos para Botucatu... horas e horas e horas dirigindo, chegamos em São Paulo, fomos até a Vila Mariana ver minha mãe e então decidimos trocar de carro por que o carro que eu estava, estava esquentando e ia para o mecânico e peguei meu querido Josys para ir para Botucatu! Que saudade do meu Josys!!!


Entramos no Josys, caímos no buraco e furamos o pneu... tudo bem! Fomos trocar o pneu, mas o macaco estava com problema, saiu do lugar, amassou o carro, ficou preso embaixo do danado e não levantou nada! E lá fui eu achar alguém pra emprestar um jacaré! Achei uma boa alma, consegui pegar o macaco, trocamos o pneu e entramos novamente no carro...


Então minha avó decidiu que não iria para Botucatu conosco, mas que queria ficar na casa dela... tudo bem! Ela morava no Campo Limpo, ficava uns 19km de onde estávamos. Simples, deixaria minha avó lá, pegaria a Marginal, já cairia na Castelo Branco e iria pra Botucatu.


Fácil né? Só que não! Eu já estava dirigindo desde as 3h da manhã, porque o curso começaria às 18h em Botucatu e, então, São Paulo resolveu mostrar a que veio...


Quatro horas, sim meus amigos, 4 horas para percorrer 19km e minhas pernas já não funcionavam mais! Chegamos à casa da minha avó já eram 20h, eu já havia perdido o curso, a compostura, a vontade de viver... pedimos uma pizza, tomei um banho, peguei o carro e fui para Botucatu para não perder mais um dia!




Tudo correu bem! Na volta peguei minha avó, meu colega, troquei de carro e fomos para BH de novo. Tudo bem tranquilo, de manhã acordei, peguei o carro, fui para a faculdade e eis que o danado ferveu... tudo bem! Vamos esperar ele esfriar, colocar água e ele volta à vida!!! E assim foi feito! Esperamos, colocamos água, ele voltou à vida e fomos para casa.


No dia seguinte, ele estava normal! Ok, sem problemas! Então no final de semana fomos para Betim para descansar. Domingo de noite, estávamos chegando em BH na casa da minha avó e eis que o carro teve uma pane elétrica... Oh, Deus! Me leve agora e evite mais sofrimentos! Eu já não aguentava mais! Eu realmente não quero me alongar muito! Foi um inferno, do começo ao fim! Maldita hora em que eu resolvi colocar os meus pés naquela cidade!!!




     Finalmente chegou o dia de ir embora! Senhor! Eu sobrevivi!!!! Minha avó resolveu ficar em BH e então seríamos apenas meu colega, que depois dessa intensa convivência já me odiava tanto quanto eu odiava ele, e eu.


     Novamente, acordamos às 3h e caímos na estrada. Quando o carro saiu da garagem, meu colega já começou a dormir e eu dirigi por horas no mais profundo silêncio... Por volta das 7h eu já estava morrendo de sono, então resolvi parar o carro em um posto, dormir e um pouco e seguir viagem.


     - Não aguento mais dirigir, to morrendo de sono, vou parar uma horinha e depois nós continuamos.
     E eis que veio a resposta mais imbecil que eu já ouvi:
     - Ah não, se não vai atrasar a viagem, não quero parar agora.
     

     Segurei todo o resto de civilidade que ainda habitava o meu ser, respirei fundo enquanto me sentia Michael Douglas em Um Dia de Fúria, olhei no fundo dos olhos dele e respondi:
     - Se é por isso não tem problema, eu vou parar, você desce, e vai adiantando a viagem, mas vai fazendo sinal de carona pra eu não te perder, porque quando eu acordar, eu te pego na estrada.

      Recebi como resposta uma bufada, um olhar de ódio e um silêncio mortal, parei o carro, fechei os olhos e dormi como um bebê. 




      

      Me senti renovada! Em seguida acordei, peguei a estrada novamente, cheguei em São Paulo, desovei meu ex amigo e fui feliz da vida para casa já morrendo de saudade daquela fumaça preta que enche o pulmão de todo paulistano!





sexta-feira, 14 de agosto de 2015

O dia em que eu vi a morte...





            Esse é um breve relato sobre o dia em que eu quase vi a morte e seria uma morte digna de piadas eternas...


            Poucas coisas na vida são tão libertadoras quanto poder chegar em casa, tirar a roupa e tomar um bom banho. E não precisa ser depois de um looongo dia de trabalho, pode ser depois de uma ida ao mercado, ao shopping, ao correio, qualquer lugar que te faça sair de casa, o importante e chegar em casa e tirar a maldita roupa!




            Ao longo dos anos, adquiri o habito de andar sem roupa em casa e não havia nenhum problema quando só haviam mulheres na casa, mas como o hábito faz o monge... é realmente incômodo ter que vestir roupas, elas te apertam, te esquentam, e irritam. Eu odeio roupas. Obviamente que não sou uma daquelas pessoas naturalistas, mesmo por que acredito que não devo causar horror à população no geral, mas dentro de casa tudo é permitido.


            Quando me mudei para Botucatu para fazer faculdade as coisas não eram tão permitidas assim. Quando você mora com outras pessoas não pode simplesmente andar pelada dentro de casa... existem regras! Morávamos em 3 meninas na casa e a regra era a seguinte: se você quer sair pelado pela casa, beleza, só precisa dizer às outras: "fecha a porta que eu vou correr pelada" e cada uma entrava para seu próprio quarto sem nenhum problema, essa é uma das maravilhas de se conviver com pessoas civilizadas.




            Mas os finais de semana eram realmente libertadores! Chegava da faculdade na sexta-feira à noite, já tirando a roupa no quintal e só voltava a colocar no domingo quando as meninas iam chegar. E então Murphy resolveu que eu estava muito satisfeita e livre demais e achou por bem colocar um fim à essa farra do balanga teta...


            O dia era domingo... e eu estava sozinha em casa. Se você já morou em uma república sabe o significado da palavra “gambiarra”. Pois havia uma bem grande no meu quarto. Só tinha uma tomada, então eu puxava uma extensão com um benjamin ligado no outro de forma que eu conseguisse ligar a televisão, o dvd, o abajur, o ventilador, o carregador do celular, o computador e tudo que houvesse no quarto, e essa extensão passava embaixo da minha cama.   





Domingo pra mim era dia de faxina, as meninas só chegavam de noite então eu podia vadiar o sábado todo, no domingo eu fazia a faxina no comecinho da tarde e podia descansar o resto do dia. Esse dia estava particularmente calor então, depois da faxina, fui tomar um banho frio para refrescar, obviamente não coloquei roupa após o banho e fui deitar um pouco na frente do ventilador pra acabar com o calor de vez... mas então o ventilador não funcionou por que a gambiarra dos fios era um pouco instável...




Eu havia acabado de passar pano no meu quarto e ainda estava molhado, mas como eu ia entrar correndo e pular na cama não havia problemas, ele ia secando aos poucos enquanto eu dormia, mas havia o maldito ventilador. Sou uma pessoa que tem alguns hábitos que não podem ser mudados. Eu não consigo entrar no quarto sem ligar o ventilador... não consigo dormir no silêncio, tem que ter o barulhinho dele. Derrotada pelo meu TOC, resolvi que teria que arrumar a gambiarra, então, decidi que iria deitar no chão molhado mesmo e depois tomaria outro banho.




E foi o que eu fiz... desci da cama, deitei no chão molhado sem roupa e fui mexer na gambiarra embaixo da cama. Peguei meu corpinho de fada, me arrastei para debaixo da bendita cama e no momento me que peguei a extensão a desgraçada me deu um choque que eu fiquei com a mão presa nela...


Alguns pensamentos passaram pela minha cabeça naquele momento:
1.       Como você é burra!
2.      Kct você é muito imbecil por mexer numa tomada no chão molhado.
3.       Por que raios você não colocou uma roupa pra fazer essa merda?
4.      Que cena dantesca deve ser essa eletrocussão de uma mulher gorda, pelada embaixo da cama no chão molhado.
5.      Imagina se as meninas chegam e me acham morta, pelada embaixo da cama?
6.      Imagina o que vão falar para os meus pais...
7.      Solta o inferno do fio!



E então eu soltei a extensão e sobrevivi não ao meu intrínseco azar, mas à burrice congênita!

quinta-feira, 9 de julho de 2015

O Primeiro Plantão a gente nunca esquece...




(E que mulher séria)


     Sabe aquele trabalho que se encaixa exatamente no seu modo de vida? Quem não quer poder acordar à hora que quiser e ainda assim nunca se atrasar para o trabalho? Essa é a vida maravilhosa dos Plantões Noturnos! Uma pessoa que tem como companhia a insônia não pode pedir mais nada aos céus! Porque se é pra não dormir mesmo, pelo menos que eu ganhe dinheiro com isso!


     O mês era dezembro, o ano, 2014... e aqui se iniciou um novo ciclo na minha vida! Desde que saí da faculdade eu sempre quis trabalhar à noite. Sei lá, sempre achei melhor, não tem sol, o calor é mais ameno, tem menos gente enchendo o saco, não tem trânsito... ou seja, uma maravilha!


     Como nunca havia trabalhado à noite, passei o mês de dezembro conhecendo o hospital, pegando prática e me adaptando ao lugar para não ficar perdida na hora da correria e, meu primeiro plantão seria no Ano Novo... novos começos indeed!!!!





     Tudo corria às mil maravilhas e eu realmente gostava de ir pra lá, gostava das pessoas, gostava de tudo e a ansiedade para começar logo foi tomando conta de mim! Que venha o Ano Novo!


     Então chegou o grande dia... dia 31/12/2014... minha família ia comemorar a passagem de Ano na minha casa e passamos a semana toda fazendo os preparativos, arrumando a casa, fazendo comida, eu ajudava minha mãe depois de voltar do hospital e então, o grande dia chegou....


     A noite do dia 30 para dia 31 foi simplesmente infernal. Sabe quando você passa a  noite inteira acordando, porque não se sente bem, mas não sabe muito bem o que está acontecendo? Tive calor, depois frio, aí suava em bicas, tomei banho, voltei pra cama, então começou o enjoo, a dor de cabeça, a diarreia... tudo bem! Nada que um Nausedron não resolva, não é?


     Mas não foi bem assim... pela manhã eu simplesmente não conseguia sair da cama e minha mãe veio me chamar para ajudar a dar os últimos retoques na arrumação da casa e eu não conseguia ficar em pé... ok, só preciso de mais um pouco de descanso, água, Dipirona pra baixar a febre e muita Ranitidina pra aguentar a dor de estômago.


     Qual não foi minha surpresa quando minha mãe entra no meu quarto 20 minutos depois dizendo que meu irmão estava do mesmo jeito... eu não sei que desgraça se abateu sobre a casa, se bebemos água de vala, se a dengue resolveu tomar conta de nós, se fomos intoxicados com alguma substancia maligna, a única coisa que eu sei é que eu me sentia um cachorro com Parvovirose...




     Como sempre, meu querido Josys estava quebrado e como moramos no orifício corrugado situado na região ínfero lombar da cidade de São Paulo, minha mãe ligou para o meu pai que despencou do outro lado da cidade para nos levar ao hospital. E então se iniciou o caos...


     Pegamos o endereço do hospital, nos arrastamos para dentro do carro, ligamos para pedir informações sobre como chegar lá e fomos... obviamente que fomos para o lado errado... andamos quilômetros e quilômetros no sentido errado da avenida e nunca chegava o maldito hospital... meu pai é conhecido por ser uma pessoa que odeia trânsito e odeia não saber o caminho... posso lhes dizer que não foi nada agradável ficar dentro de um carro em movimento com as tripas se contorcendo, morrendo de sono, com dor de cabeça e com uma náusea absurda, mas eventualmente, nós conseguimos chegar ao hospital.


     E aqui fica minha crítica ao Serviço Público de Saúde da cidade de São Paulo. Chegamos ao hospital, passamos pela triagem e ficamos aguardando o médico... 1 hora e 40 minutos se passaram e continuávamos sentados no banco frio e duro de madeira esperando o dito cujo. Então meu irmão foi chamado e cerca de 2 minutos depois, já estava de volta e eu entrei no consultório.


     O médico era muito simpático e educado mas era a único, veja bem, o único médico no hospital inteiro para atender toda a população... e o diagnóstico foi simples: intoxicação alimentar... é uma forma diferente de dizer que você está com virose, porque ninguém mais leva a sério esse diagnóstico... depois que surgiram a virose a o estresse, não existem mais diagnósticos na medicina humana e o tratamento padrão: Plasil, Ranitidina, Buscopam e soro... então, conhecendo o tratamento você avisa ao médico que não adianta tomar Buscopam, porque ele simplesmente não faz efeito e que você já tomou Ondansetrona e não resolveu o enjoo...




     Ahhhh sim, vou anotar aqui na minha ficha e você vai aguardar lá fora para ser medicada... ok... mais meia hora e fomos chamados... a enfermeira pegou minha veia, colocou o soro e o que tinha no bendito? Plasil, Ranitidina e Buscopam... Puta merda, ainda bem que eu avisei que essa bosta não ia fazer efeito ¬¬...


     Sabe quando a única coisa que você quer na vida é deitar numa cama e dormir como se não houvesse amanhã? Mas não, eu estava lá, sentada num banco duro, com a cabeça encostada no meu irmão, tremendo de febre, revirando as tripas e contando aquelas miseráveis gotas pingarem no equipo trazendo pra dentro do meu corpo nenhuma substância que fosse alterar meu quadro...


Aí vem enfermeira e fala: se vocês não se sentirem melhor ao final do soro, voltem ao médico que ele vai passar mais medicação... Nossa que coisa hein? O que será que ele vai passar dessa vez? AS? Água com açúcar? Olhei pra cara do meu irmão moribundo e concordamos silenciosamente que estávamos nos sentindo melhor para podermos voltar pra cama.


Então voltamos para casa e cada um para sua respectiva cama... e eu dormi! Senhor como eu dormi!!! A o relógio badalou às 18h e era a hora de trabalhar... sabe quando você quer morrer mas não quer levantar da cama? Mas vamos lá, afinal não tinha ninguém para fazer aquele plantão...


Cheguei ao hospital, peguei meu caixa, coloquei meu jaleco, peguei esteto, termômetro, garrote, tudo que eu pudesse precisar e torci com todas as minhas forças que não passasse nenhuma alma por aquelas portas... eu estava com febre, enjoada, com dor de estômago, com diarreia, com sono a única coisa que eu não tinha, era a vontade de trabalhar...




Mas vocês sabem como eu sou sortuda né? Obviamente que os cães brotavam de todos os lugares. Eu nunca poderia imaginar que alguém levaria seu cachorro ao veterinário na virada do ano. Sim, mas as pessoas levam! E levam principalmente os idosos, cardiopatas que têm medo dos fogos e chegam em um estado de pânico de dar dó...


E os cães iam chegando um depois do outro... edema pulmonar, edema pulmonar, edema pulmonar, tranquilização por causa dos fogos, tranquilização por causa dos fogos, edema pulmonar por causa do estresse causado pelos fogos, gato atropelado porque se assustou com os fogos... kct, gente, não soltem fogos!!!




O momento em que toca a campainha surge a dúvida mais cruel na mente da pessoa com diarreia: você não sabe se corre pra abrir a porta ou se corre pro banheiro, porque não vai poder sair no meio da consulta pra ir ao banheiro... e as consultas são infinitas quando você está pior que o seu paciente...




Finalmente! Dei alta a todos os meus pacientes, todos vivos e indo para suas casas ficar com suas famílias e eu poderia deitar um pouco pra descansar... deitei na cama e comecei a tremer e suar, levantei e tomei mais uma Dipirona, voltei pra cama e então minhas tripas começaram a se rebelar... sabe quando você está naquele estágio em que vai ao banheiro e não importa o que você vai fazer lá, você só enxuga e levanta? Foda...




Quando finalmente, às 3h40 da manhã, voltei pra cama para tentar descansar, tocou a maldita da campainha!!! Calma, levanta, faz cara de saudável e vai ajudar quem estiver precisando... e então me deparo com um casal de idosos aos prantos com uma labradora de 15 anos, em fase terminal de câncer, chorando de dor que eles trouxeram pra fazer eutanásia...


Eu achei que meu ano estava começando mal, mas como aquelas pessoas poderiam começar um novo ano levando sua companheira de tantos anos pra morrer? Existem momentos em que você esquece dos seus problemas para poder ajudar àqueles que precisam de você. E como você consegue pegar uma veia quando está tremendo por causa da febre e os seus olhos estão marejados devido ao sofrimento à sua volta?




Eu nunca vou me esquecer daquela família, daquela Mel que era carinhosamente chamada de “minha Loira” e do carinho daquele casal ao se despedir de sua amiga... existem momentos que realmente tocam a nossa alma. Acho que podem se passar muitos anos e eu ainda vou me sentir da mesma forma em relação à eutanásia, porque acho que se você não tem o poder de dar vida à alguém é muito complicado lidar com o fato de que você tem o poder de tirar uma vida sendo uma responsabilidade muito grande...




As horas foram se passando sem grandes acontecimentos e sem que eu me sentisse nem um pouco melhor e finalmente o sol estava nascendo prenunciando um novo começo! Existe um intervalo no tempo em que os minutos se atropelam, e ele começa exatamente às 6h da manhã... das 6 às 8h o tempo corre e você não vê ele passando! E graças a Deus o relógio bateu às 8h e eu podia finalmente ir para casa!


Dei uma última visita ao meu amigo banheiro, peguei minhas coisas juntamente com o resto de saúde que me restava, entrei no carro e fui pra casa sonhando com minha cama!


Ah, que maravilha!!! Quando você faz a curva chegando em casa, já consegue ver todo o esplendor da Guarapiranga e o cheiro da umidade invade os seus pulmão avisando que você chegou em casa! Felicidade é pouco pra descrever o que eu senti quando abri o portão!


Minha avó veio me receber, perguntou como eu estava, como foi o plantão e me disse que minha mãe estava deitada passando mal e que passou mal a noite inteira como eu... realmente, acho que bebemos água de vala e a família toda, porque depois meu primo, minha tia, e minha avó ficaram doentes e não comemos a mesma comida... conversamos sobre amenidades antes de eu poder ir para o banho e finalmente para a cama e então perguntei como foi a noite e as novidades... e minha avó só falou: Ah foi tudo ótimo, não aconteceu nada demais, todo mundo se divertiu mas infelizmente o pititico sumiu...


- Oi? Como assim o Pititico sumiu? Que pititico? 
- Ah, Carol, ontem na hora dos fogos o Sam se assustou e fugiu de casa e não conseguimos mais achar ele...




Sabe aquele momento em que você reúne todo o seu auto controle, mas tudo o que você consegue pensar é em gritar em alto e bom tom um sonoro C A R A L H O !!! Não! Não pode ser!!! Como assim você passou a noite toda sedando os cachorros dos outros por causa dos fogos e o seu cachorro fugiu por causa dos malditos fogos? E como assim ninguém achou ele??? Vou achar esse cachorro agora!



Então a adrenalina misturada com indignação e raiva contiveram as minhas tripas e eu fui pro meio da rua gritar chamando meu Sammy... andei como um carteiro e quando estava chamando passou um menino perguntando se eu tinha perdido um salsicha preto por que tinha um a 3 ruas na frente tremendo de medo e sozinho... continuei chamando, ele começou a latir e veio correndo!!! Pelo menos depois de uma noite infernal, de cagar as tripas, vomitar como uma bêbada e perder um cachorro, um final feliz!







Já deu hein, Deus? Se esse é o dia dos novos começos, esse começo eu já conheço!!!