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segunda-feira, 5 de outubro de 2015

HIGHWAY TO HELL









Ah que ansiedade! Após 4 longos anos estudando loucamente finalmente havia chegado ao quinto ano da faculdade, o ano dos estágios! É um período muito importante no qual você aprende na prática tudo aquilo que viu na teoria na universidade. O ano era 2011 e aqui nossa história começa...


 Eu tinha tudo esquematizado: são 9 meses de estagio com um mês de férias, duas apresentações de estágio com discussão de casos clínicos, defesa do TCC e a famigerada Prova dos Cinco anos. Foi um ano bem intenso.


Devido a um projeto que estava sendo desenvolvido na faculdade, não pude sair no primeiro semestre então passei esses meses dentro da UNESP fazendo estágios nos mais diversos setores e eu me sentia em casa!



No mês de junho fiz meu estágio no meu setor preferido, Clínica Médica da Pequenos Animais, conheci pessoas incríveis e convivi mais de perto com outras, já queridas que conhecia devido ao Rodízio do quarto ano e em julho seria o mês das férias, mas devido à falta de estagiários na faculdade e ao grande movimento na Clínica, acabei ficando na emergência para aprender e ajudar os residentes na rotina. Ok, mudança de planos: 10 meses de estágio e sem férias.



Ah! Finalmente estava pronta para sair da UNESP e conhecer outros locais, e o mês de agosto foi o primeiro em que saí de Botucatu rumo ao mundo e fui à UFMG, em Belo Horizonte, para o Departamento de Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais.
Boa parte de minha família é de Belo Horizonte, então tudo já estava pronto para minha chegada, saí de Botucatu, peguei minha avó em São Paulo e fui com um colega de turma, que até então era meu amigo desde o primeiro ano e após a viagem cortamos relações, tamanha maravilha de passeio...


Tenho 3 tias avós em Minas e primeiro fui para a casa de minha tia avó em Betim que fica na região metropolitana de BH. Passamos o domingo tranquilo no sítio e segunda-feira começaria o estágio...
Minha tia avó, toda prestativa, acordou cedo conosco e foi nos guiando até a faculdade, à 34 km dali, em Belo Horizonte, na Pampulha e quando nos deixou na faculdade ela já havia solucionado o problema da volta:


- Carol, pra voltar é só fazer o caminho contrário!
- Oi? Como assim é só fazer o caminho contrário?
- Você não prestou atenção na ida? Então a volta é igual só que ao contrário.


Ah sim! Agora que foi explicado ficou fácil...




Preferi passar o dia aproveitando as novidades da faculdade do que me preocupando com a volta, mas o relógio bateu às 18h e meu destino estava selado: eu tinha que voltar para casa...


Peguei minha coragem, minha invejável memória de portador do mal de Alzheimer, meu parceiro de aventuras, entramos no carro e fomos para a estrada.


Agora fica aqui minha homenagem ao povo mineiro. São pessoas que sempre têm as melhores intenções e uma disposição incrível para ajudar aos outros, seja qual for o problema que estiver enfrentando, o mineiro tem a solução. Eles sempre podem dar um palpite e sabem todos os caminhos... ou assim eu pensava...


Começamos nossa jornada não sem antes ligar para a minha avó e pedir as coordenadas que foram passadas prontamente e caímos na estrada.


Não posso dar muitos detalhes quanto ao trajeto utilizado, porque até hoje eu não entendi o que aconteceu, mas após seguir centenas de placas que indicavam locais que não estavam no sentido que a placa indicava, finalmente encontramos a estrada para Betim.


Achamos melhor parar em intervalos regulares para pedir informações sobre o caminho e cada pessoa que passou por nosso caminho nos recebeu com um sorriso no rosto e um palpite totalmente descabido.


Certa hora eu já não sabia se estava indo para Betim ou voltando para Belo Horizonte, então parei no posto de gasolina, que é o local onde, no tempo livre, os frentistas ficam brincando com o Google Maps decorando todas as ruas e caminhos, pelo menos em São Paulo é assim, e pedi informação:

- Moço, eu preciso ir para Betim, pra que lado eu vou?
- Pra Betim? Cê ta do lado errado da estrada, menina, segue reto toda vida, ai cê vai vê uma ponte, sobe a ponte, quando descer, em seguida vai ter uma entrada pra subir a outra ponte, ai cê sobe e vai dar do lado certo da estrada aí é só seguir as placas.
- Deixa eu ver se entendi: eu subo a ponte, desço e depois eu subo a ponte de novo?
- Isso mesmo!
- Mas assim não vai dar do mesmo lado que eu estou agora? Porque eu subo a ponte, passo pro outro lado, se eu subir de novo, eu volto pra esse lado, não é isso?
Ele me olhou com aquela típica cara de: se você sabe o caminho por que veio me perguntar? E muito simpático me respondeu:
- Não, menina, você vai direto pra Betim assim.
- Muito obrigada então...




Dentro da minha imbecilidade, eu segui as precisas informações do frentista, subi a ponte, desci a ponte, peguei a entrada, subi a ponte, desci a ponte e me vi passando novamente no posto de gasolina...


Sabe aquela vontade de sair gritando? Como diz a minha avó, nesse momento eu queria fazer uma birra de calcinha que consiste em ir para o meio da rua, arrancar a calcinha, jogar no chão, pular em cima e gritar igual uma louca! Então liguei pra minha avó de novo:
- Vó, to perdida!


E o que eu ouvi do outro lado da linha foi o som da derrota, só aquela sonora gargalhada, que faz com que o sangue da pessoa perdida ferva instantaneamente e fiquei em silêncio esperando as coordenadas...
- Vó, to perdida mesmo...
- Onde você está, minha gata?
- Vó, quando eu estou perdida eu estou perdida mesmo...
- Mas onde você está?
- Eu não sei! Eu to perdida!!!
- Então para em algum lugar e pergunta onde está!
Desliguei o telefone e fui procurar um posto de gasolina.
- Moço, eu preciso ir pra Betim, já rodei 90km e eu não sei pra onde ir! Em que cidade eu estou???
- Você tá em Contagem!
- Que? Mas eu to indo pra Betim ou voltando pra Belo Horizonte.
- Ta indo pra BH.
- Pelo amor de Deus! Você não vai me mandar subir a ponte né?
- Não, menina, pega o retorno e depois segue em frente toda vida.


Mineiro tem essa mania de “toda a vida”... se bem que não faz muita diferença das outras informações, porque se eles falarem que “é logo ali”, você também vai andar toda a vida... agradeci e liguei pra minha avó de novo.
- Meu Rato, eu estou em Contagem...
- Mas em que lugar?
- Essa é toda informação que eu tenho, to no posto de gasolina, no sentido de BH, vou pegar o retorno e seguir toda a vida...
- Isso, filha, então faz o retorno e vem pra casa.


Agora sim eu fiquei mais tranquila! É só ir pra casa? Ufa! Tivessem me dito isso antes eu tinha economizado 90 km!


As horas foram se passando e eu realmente cheguei a pensar que iria andar “toda a vida”, então reconheci um boteco no centro de Betim e liguei pra minha avó de novo.


- Vó, to no boteco X (não me lembro o nome) perto do trilho do trem, você pode mandar uma equipe de busca, um helicóptero, qualquer coisa pra vir me buscar?
- Fica aí que sua prima vai te buscar.




E então, depois de quase 6 horas e mais de 100km para percorrer um trajeto de 34km, minha prima foi me buscar e eu cheguei em casa. Que alegria! Esse foi o primeiro dia de estágio e na manhã seguinte começaria tudo de novo...


O dia clareou e minha avó teve a brilhante ideia de ir conosco para a faculdade em seguida pegaria um ônibus, iria para a casa de minha outra tia avó, que fica no centro de BH, e depois no horário de ir embora, a boa alma pegaria outro ônibus e iria nos buscar na faculdade para nos mostrar o caminho. Que mulher santa!


E assim foi feito... 18h pegamos o carro e minha avó estava no ponto de ônibus esperando! Então fomos para casa... ela foi nos indicando o caminho, quando não mais que de repente o trânsito parou completamente! Havia uma manifestação de professores no centro da cidade e as ruas estavam interditadas e, então, nós nos perdemos novamente...




Dessa vez foi mais tranquilo, pois minha avó estava conosco e indicava como chegar. No dia seguinte, minha avó foi conosco de novo para a faculdade e na volta lá estava ela no ponto de ônibus esperando pra nos buscar. Dessa vez nada poderia dar errado! Aí ela resolveu passar no mercado... mas o mercado não ficava no caminho de casa, então fizemos um desvio, fomos ao mercado e depois para casa...


No terceiro dia, novamente, fomos os três para a faculdade e de tarde a coitada estava no ponto de ônibus esperando, pegamos minha veínha, fomos para casa e minha avó confundiu o caminho e nos perdemos...


Sabe quando parece que você está aprisionado dentro de uma piada? Ou naqueles filmes em que todos os dias você acorda e está preso na mesma situação? Então, eu estava! Meu destino era me perder em BH! Já estava cansada de fazer minha avó ir comigo à faculdade e decidi que iriamos sozinhos!


Ah, que iniciativa idiota! De fato, chegamos à faculdade, mas na volta... me deu um vazio imenso passar em frente ao ponto de ônibus e não ver minha Guia turística preferida, mas aguentei firme e segui em frente com a cara, a coragem, a burrice e para variar um pouco, nos perdemos...




- Vó, você pode não acreditar, mas nós estamos perdidos...
- Onde você está?
- Não sei, vó, um moço nos indicou o caminho e agora estamos numa tal de Avenida do Contorno...
Sonora gargalhada...
- Sai daí, menina, essa avenida tem esse nome porque contorna a cidade inteira!
- Puta que pariu! Pra onde eu vou?
- Faz assim, tem algum táxi por aí? Paga pro taxista e segue ele até em casa.
- Ok.


E então, depois de duas horas rodando pela cidade, seguimos o taxista e chegamos em casa...




No dia seguinte, minha avó resolveu que iria nos buscar na faculdade, então, às 18h, lá estava minha Ratinha no ponto de ônibus e dessa vez, fomos para casa sem grandes percalços!


Os dias se passavam sem grandes problemas e então tínhamos um curso de final de semana em Botucatu... Ok! Peguei minhas malas, meu colega, minha avó, o carro, fomos para São Paulo ver minha mãe e depois iríamos para Botucatu... horas e horas e horas dirigindo, chegamos em São Paulo, fomos até a Vila Mariana ver minha mãe e então decidimos trocar de carro por que o carro que eu estava, estava esquentando e ia para o mecânico e peguei meu querido Josys para ir para Botucatu! Que saudade do meu Josys!!!


Entramos no Josys, caímos no buraco e furamos o pneu... tudo bem! Fomos trocar o pneu, mas o macaco estava com problema, saiu do lugar, amassou o carro, ficou preso embaixo do danado e não levantou nada! E lá fui eu achar alguém pra emprestar um jacaré! Achei uma boa alma, consegui pegar o macaco, trocamos o pneu e entramos novamente no carro...


Então minha avó decidiu que não iria para Botucatu conosco, mas que queria ficar na casa dela... tudo bem! Ela morava no Campo Limpo, ficava uns 19km de onde estávamos. Simples, deixaria minha avó lá, pegaria a Marginal, já cairia na Castelo Branco e iria pra Botucatu.


Fácil né? Só que não! Eu já estava dirigindo desde as 3h da manhã, porque o curso começaria às 18h em Botucatu e, então, São Paulo resolveu mostrar a que veio...


Quatro horas, sim meus amigos, 4 horas para percorrer 19km e minhas pernas já não funcionavam mais! Chegamos à casa da minha avó já eram 20h, eu já havia perdido o curso, a compostura, a vontade de viver... pedimos uma pizza, tomei um banho, peguei o carro e fui para Botucatu para não perder mais um dia!




Tudo correu bem! Na volta peguei minha avó, meu colega, troquei de carro e fomos para BH de novo. Tudo bem tranquilo, de manhã acordei, peguei o carro, fui para a faculdade e eis que o danado ferveu... tudo bem! Vamos esperar ele esfriar, colocar água e ele volta à vida!!! E assim foi feito! Esperamos, colocamos água, ele voltou à vida e fomos para casa.


No dia seguinte, ele estava normal! Ok, sem problemas! Então no final de semana fomos para Betim para descansar. Domingo de noite, estávamos chegando em BH na casa da minha avó e eis que o carro teve uma pane elétrica... Oh, Deus! Me leve agora e evite mais sofrimentos! Eu já não aguentava mais! Eu realmente não quero me alongar muito! Foi um inferno, do começo ao fim! Maldita hora em que eu resolvi colocar os meus pés naquela cidade!!!




     Finalmente chegou o dia de ir embora! Senhor! Eu sobrevivi!!!! Minha avó resolveu ficar em BH e então seríamos apenas meu colega, que depois dessa intensa convivência já me odiava tanto quanto eu odiava ele, e eu.


     Novamente, acordamos às 3h e caímos na estrada. Quando o carro saiu da garagem, meu colega já começou a dormir e eu dirigi por horas no mais profundo silêncio... Por volta das 7h eu já estava morrendo de sono, então resolvi parar o carro em um posto, dormir e um pouco e seguir viagem.


     - Não aguento mais dirigir, to morrendo de sono, vou parar uma horinha e depois nós continuamos.
     E eis que veio a resposta mais imbecil que eu já ouvi:
     - Ah não, se não vai atrasar a viagem, não quero parar agora.
     

     Segurei todo o resto de civilidade que ainda habitava o meu ser, respirei fundo enquanto me sentia Michael Douglas em Um Dia de Fúria, olhei no fundo dos olhos dele e respondi:
     - Se é por isso não tem problema, eu vou parar, você desce, e vai adiantando a viagem, mas vai fazendo sinal de carona pra eu não te perder, porque quando eu acordar, eu te pego na estrada.

      Recebi como resposta uma bufada, um olhar de ódio e um silêncio mortal, parei o carro, fechei os olhos e dormi como um bebê. 




      

      Me senti renovada! Em seguida acordei, peguei a estrada novamente, cheguei em São Paulo, desovei meu ex amigo e fui feliz da vida para casa já morrendo de saudade daquela fumaça preta que enche o pulmão de todo paulistano!